Crítica | O Corvo transita entre a fanfic e a piada de mau gosto
Lionsgate/Divulgação

Crítica | O Corvo transita entre a fanfic e a piada de mau gosto

Que o remeke sirva pelo menos para que o público busque pelo clássico de 1994 e a HQ que o originou.

Em 2024 completam 30 anos do lançamento de O Corvo, a adaptação de um quadrinho underground que se tornará um clássico cult do cinema. Fortemente marcado por sua extravagancia visual, trilha sonora gótica e pela trágica morte de seu protagonista. Fazer um rameke de um filme tão marcado na cultura pop por si já é desafiador, e Rupert Sanders (“A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell”) ainda tinha que atualizar a obra para uma nova audiência, uma vez que o longa protagonizado por Brandon Lee está fincada nos anos 1990.

Sinceramente, acho que a escalação do casal Bill Skarsgård (“It – A Coisa”) e FKA Twigs (“Honey Boy”) muito acertada. Ambos são bonitos, mas cada um tem uma certa esquisitice que os tornam peculiares. Até mesmo o visual do protagonista, se aproximando muito mais de um trapper, do que de um guitarrista gótico, faz sentido para uma obra de 2024. No entanto, nada disso se sustenta quando o filme começa. A nova versão de O Corvo caminha entre uma fanfic de romance trágico e uma piada de mau gosto, seja com o filme de 1994, quanto o quadrinho roteirizado e ilustrado por James O’Barr.

Uma fanfic bem mequetrefe

O remake começa com uma cena pesadelo/flashback do protagonista, mostrando que ele é traumatizado desde a infância. Depois acompanhamos a rotina de Eric Draven (Skarsgård) numa clínica de reabilitação extremamente polida. Lá ele conhece Shelly Webster (FKA). Existe um flerta entre eles e em pouco tempo os dois resolvem fugir do local sem dificuldades alguma. Pra piorar, a fuga acontece ao som de Joy Division, da forma mais deslocada possível. A partir daí, a história escrita por Will Schneider e Zach Baylin (“Gran Turismo”) segue exatamente os rumos que o trailer nos indicava.

Crítica | O Corvo transita entre a fanfic e a piada de mau gosto

Outro ponto negativo na construção desse fraco vínculo do casal protagonista é a montagem, que indica que os dois estão transando e se drogando sem parar há alguns dias, semanas no máximo, antes de serem mortos. Embora Sanders consiga captar bons enquadramentos de FKA, que está realmente magnética em tela, é difícil acreditar que eles são um casal de verdade, muito menos que Draven teria motivação o suficiente para se vingar de seus algozes.

Sem ousadia ou personalidade

É difícil escrever sobre um remake de O Corvo sem comparar com os aspectos – que citei acima – estilísticos que tornaram o filme de 1994 tão marcante.

Sinceramente não acredito que uma repetição temática com novas tecnologias faria desse novo filme suficiente. Entretanto, tão ruim quanto isso é a apatia artística, que faz desse filme igual a qualquer blockbuster de ação dos últimos anos.

Essa representação visual se assemelhando com trapper só fica no visual mesmo e até mesmo o corpo cheio de tatuagens do protagonista serve mais para fazer uma piadinha – embora a direção aproveita toda e qualquer oportunidade para filma-lo sem camisa.

O que temos em tela, como ressaltado parágrafos acima, é uma tentativa de representação do Corvo para um público que ouve atual, que ouve rap, mas o filme sequer dialoga de verdade com esse público.

Ação genérica

Mas ok, se ignorarmos toda a falta de iconografia e personalidade, ainda temos a parte do filme de ação. Bom, mas nem nisso o filme manda bem. Confesso que, por conta dos filhotes de John Wick criados nos últimos anos, acreditei que O Corvo se usufruiria disso. Mas não há nada além do protocolar.

Para ser justo, tem uma tentativa de cena de ação mais elaborada num teatro, com Draven e sua katana contra diversos seguranças armados. Mas só.

Voltou dos mortos, mas parece um zumbi

A nova versão de O Corvo é uma das obras hollywoodianas mais sem graça dos últimos tempos. Chego a dizer que o péssimo e cheio de piadinhas cínicas Deadpool & Wolverine soa como um filme com mais alma que o longa protagonizado por Skarsgård. É um cinema sem tesão, que escolhe os caminhos mais fáceis e aposta num romance que o próprio longa não valoriza em tela – reforçando, por mais que FKA esteja estonteante. Talvez o novo filme sirva pelo menos para que o público vá atrás do clássico de 1994 ou a excelente HQ de James O’Barr.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.