O chileno Prisão nos Andes (Penal Cordillera) é um filme difícil de assistir. Mas, dado o tema, isso era de se esperar. A maneira como o filme faz o público suportar uma hora e 45 minutos de desconforto é parte de sua singularidade.
Com seu filme, Felipe Carmona (“Los Camarones Tienen el Corazón en la Cabeza”), que estreia nos longas-metragens, examina o que acontece com os perpetradores quando eles correm o risco de perder o poder. A relutância deles em aceitar a queda e sua responsabilidade pelos crimes atrozes cometidos durante o regime de Pinochet cria um retrato angustiante do Chile no pós ditadura.
Baseado em uma história real, Prisão nos Andes é uma espécie de diário filmado da vida dos responsáveis pelos crimes horríveis da ditadura de Pinochet. O filme acompanha cinco oficiais militares cumprindo suas penas, que somam centenas de anos, em uma prisão de luxo nos Andes. Mais do que uma prisão, o local se assemelha a um resort, com piscina, jardins e guardas que agem mais como funcionários do que como vigias.
A vida desses “prisioneiros” muda quando uma entrevista gera uma reação inesperada. Assim, esse adjetos protagonistas fazem de tudo para evitar serem transferidos para uma prisão comum, permitindo que a violência e o caos se espalhem pelas montanhas.
Sombra e água fresca
Prisão nos Andes se assemelha a um estudo de personagens, pois busca analisar essas pessoas desprezíveis: elas sentem algum remorso pelo que fizeram? De acordo com o filme, a resposta é não. A parte mais aterrorizante do filme é seu incidente incitante: a entrevista, da qual eu gostaria de ter visto mais.
Nas filmagens, ouvimos um dos generais dizer que apenas cumpriu seu dever, levantando assim a questão de onde essas ações malignas podem se originar: seria apenas uma questão de obedecer ordens cegamente? O público também vê sua relutância em aceitar qualquer responsabilidade pelo que fez e, portanto, pela sentença que recebeu: afinal, sua chamada prisão está longe de ser um verdadeiro castigo.
Da mesma forma, uma das cenas mais angustiantes do filme acontece perto do final, quando ouvimos os personagens principais relatarem os crimes que cometeram: a conversa soa casual, sem um pingo de arrependimento, como se estivessem listando itens de supermercado, e não pessoas que mataram.
Eles aparentemente não sentem nada diante da morte e da tortura que perpetraram, tornando-os ainda mais aterrorizantes pela simplicidade com que falam sobre isso. A crença forte deles na própria inocência fez meu sangue gelar ao assistir Prisão nos Andes, pois reflete como pessoas no poder podem se sentir acima de qualquer tipo de lei e moralidade, e como o poder pode, em última análise, superar tudo.
Uma prisão de luxo filmada como um comercial de resort
Eu também adorei a cinematografia do filme: cada cena é cuidadosamente desenhada, com um uso particularmente inteligente de cores e iluminação. Vemos uma iluminação monocromática, em que as cores primárias aparecem com destaque em determinadas cenas e definem a narrativa tematicamente.
O mesmo cabe a trilha sonora, que conversa com a suposta alta cultura dos prisioneiros. No filme como um todo, a calmaria toma conta e há pouca construção musical de forma proposital e o pouco que tem é composto por um som mais erudito. Inclusive, um dos personagens cita “Pictures at an Exhibition”, do russo Modest Mussorgsky — que eu só reconheci porque a banda de rock progressivo Emerson, Lake And Palmer fez uma versão deste concerto.
No entanto, acredito que Prisão nos Andes teve alguns problemas de ritmo e poderia ter se beneficiado de um ritmo mais acelerado. A narrativa também apresenta algumas falhas: ao longo do filme, seguimos uma trama secundária focada em um dos guardas, pela qual acabei me importando pouco, pois pareceu desconectada da história principal — e no fim, se provou, de fato, jogada e pouco substancial.
Saí desse filme com o desejo de continuar refletindo sobre os retratos dos personagens e a questão que ele coloca ao público; se não é um filme fácil de assistir, é ainda mais difícil de digerir. Embora eu desejasse que o filme tivesse se concentrado em sua maior força — a representação dos prisioneiros e a análise interna desses personagens monstruosos — Prisão nos Andes vale a pena por seu tema significativo e sua bela cinematografia, que se complementam e elevam o produto final, nos mostrando que esses monstros nunca são devidamente penalizados.
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