Crítica | Super/Man: Christopher Reeve, um super-herói da vida real

O conceito de herói, enraizado em mitos e lendas, é frequentemente associado a figuras imortais que transcendem a condição humana, com poderes extraordinários capazes de moldar destinos e enfrentar qualquer adversidade. É fácil, então, ver no Superman, o homem que desafia os limites da realidade, uma personificação do heroísmo. Sua história, imortalizada nos quadrinhos e no cinema, ecoa um ideal de força invencível e justiça inquestionável. No entanto, como toda grande história de herói, a trajetória de Christopher Reeve, o ator que se tornou o Superman, revela que o heroísmo, mais do que uma questão de poderes sobre-humanos, é uma expressão de resiliência diante da fragilidade humana.

O Superman de Reeve, brilhante e imponente, representava uma promessa de que, com coragem e integridade, era possível transformar o mundo em um lugar melhor. Sua interpretação no filme de Richard Donner, de 1978, fez com que uma geração acreditasse na possibilidade de voar. Em um mundo saturado de ceticismo, o físico esculpido de Reeve, o olhar decidido, a postura ereta, e a clássica capa vermelha não eram apenas uma encarnação do herói dos quadrinhos — eram uma resposta a uma cultura que ansiava por figuras que inspirassem confiança e esperança. Ao olhar para ele, o público não apenas via um homem imbatível, mas um ideal a ser seguido.

No entanto, a tragédia que se abateu sobre Reeve em 1995, ao sofrer uma lesão medular durante um acidente de hipismo, trouxe consigo uma ironia cruel. O Superman, símbolo de invulnerabilidade, agora se via confinado a uma cadeira de rodas, imobilizado pela mesma fragilidade humana que ele jamais representara. Esse contraste — o ícone da força em uma posição de impotência — não passou despercebido. A realidade, com sua crueza, adentrou de maneira imprevista o terreno do mito, e o homem que havia sido um herói agora se tornava, para muitos, um símbolo ainda mais profundo de resistência. Em vez de sucumbir, Reeve abraçou seu novo papel de herói na vida real: um defensor incansável das pessoas com deficiência e um porta-voz da esperança para todos os que enfrentam adversidades imensas.

O documentário Super/Man: A História de Christopher Reeve não apenas explora essa metamorfose, mas revela com grande sensibilidade a jornada emocional e física do ator. Ao captar suas palavras, suas lutas e seus momentos de vitória, o filme delineia uma trajetória de superação que transcende a ideia convencional de heroísmo. Reeve, que um dia havia representado um ser divino e inalcançável, agora se apresentava como um homem comum, tocado pelas mesmas dificuldades que tantos enfrentam, mas com uma força interior capaz de desmentir a impotência física imposta pela paralisia.

Há uma profundidade particular em como os diretores Ian Bonhôte e Peter Ettedgui equilibram, no filme, a faceta pública e a vida íntima de Reeve. Não se trata apenas de relembrar os momentos de glória, mas de reconhecer o sofrimento que veio a seguir. As palavras de Reeve — “Precisamos de todos os heróis que pudermos ter” — ecoam não só como uma reflexão sobre o papel dos ícones na cultura popular, mas também sobre a necessidade urgente de exemplos de coragem em um mundo que muitas vezes parece marcado pela incerteza e pela dor.

O drama de sua lesão, os meses de sofrimento e a luta contra a depressão, não são omitidos. Pelo contrário, são apresentados com uma honestidade visceral que faz com que o espectador se confronte com a ideia de que o heroísmo não é uma característica inata, mas uma escolha, uma decisão contínua de resistir e se erguer diante das circunstâncias. O documentário não se limita a uma homenagem a um homem que representou um super-herói nos cinemas, mas revela como ele, ao cair, se transformou em um verdadeiro herói humano.

Reeve encontrou, nas profundezas da dor e da perda, uma nova missão: aumentar a conscientização sobre as lesões medulares e lutar por melhores tratamentos e pesquisas. De um ícone de força, ele passou a ser um símbolo de resistência, não no sentido clássico da palavra, mas como uma constante reinterpretação de sua própria limitação e da coragem para enfrentá-la.

A dor do acidente, como uma ferida aberta no corpo e na alma, não é apagada pela imagem do herói que o ator representava, mas é integrada a uma nova forma de heroísmo. A jornada de Reeve, registrada no filme, é um testemunho do ser humano e de como as lendas podem se construir não apenas sobre vitórias, mas sobre as falhas e a capacidade de se reinventar. Sua história não é apenas a de um homem que, desprovido de seu poder físico, continuou a lutar. É a história de um homem que redefiniu o conceito de heroísmo, provando que ser herói não é viver sem falhas ou fraquezas, mas saber encontrar a força para seguir em frente, mesmo quando as possibilidades parecem escassas.

O filme também não deixa de explorar a relação de Reeve com sua família, um pilar essencial em sua recuperação. Sua esposa, Dana, e seus filhos, Alexandra, Matthew e Will, foram sua âncora, oferecendo-lhe o amor e o apoio incondicionais que sustentaram sua luta diária. O apoio de Robin Williams, amigo de longa data, ao organizar sua aparição no Oscar de 1996, demonstra como os laços de amizade e afeto podem ser forças tão poderosas quanto os feitos extraordinários.

A imagem de Reeve no Oscar, mais de um ano após o acidente, é uma das cenas mais poderosas do documentário. Ela simboliza não apenas a superação das limitações físicas, mas também a vontade inabalável de retornar ao mundo, com a dignidade intacta, enfrentando os olhares de surpresa e compaixão com a mesma força que ele havia demonstrado no passado.

Super/Man: A História de Christopher Reeve oferece mais do que uma simples biografia. Ele nos revela que, às vezes, o heroísmo não reside em feitos grandiosos ou na força física, mas na capacidade de se reinventar, de viver plenamente apesar das circunstâncias, e de continuar a inspirar aqueles que, como nós, vivem com as suas próprias limitações

O herói, como Reeve nos ensina, não é uma figura inatingível, mas alguém que, diante da dor e da adversidade, encontra a força para persistir. Em suas próprias palavras, um herói é “um indivíduo comum que encontra a força para perseverar e suportar, apesar dos obstáculos esmagadores”. E foi isso que Christopher Reeve fez — ele transformou sua tragédia em uma história de esperança, lembrando-nos que, em última instância, os verdadeiros heróis são aqueles que sabem como viver com o coração inteiro, independentemente das cicatrizes que carregam.

Leia outras críticas:

Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.