Após mais de uma década sendo bombardeados por diversas adaptações de super-heróis no cinema, na TV e no streaming, esses produtos se tornaram quase um gênero à parte, e ele começou a saturar. Por outro lado, os quadrinhos não compõe um gênero, pelo contrário, ele é um formato e é a partir desse princípio, que começamos a justificar nossa lista. Existe muito mais nas HQs que personagens vestindo collant e usando superpoderes para salvar a Terra. Sem mais delongas, vamos à lista:
Black Hole
Nada melhor que começar nossas indicações com uma obra tão profunda e, mesmo com um elemento fantástico, discute sobre temas atemporais de forma bruta e bastante sincera.
Charles Burns (“Big Baby”) é considerado uma lenda dos quadrinhos underground e Black Hole é considerada sua obra-prima. Baseado nas próprias vivências e de seus amigos na época de escola, o quadrinista cria uma narrativa centrada em um grupo de jovens e um misterioso vírus que cria mutações no corpo de pessoas que transam com alguém infectado. A depender da mutação, muitos desses jovens são obrigados a fugir da sociedade e morar isolados por não serem mais “pessoas normais”.
Essa trama poderia utilizar dessa mutação como uma metáfora barata dos perigos das ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis), visto que essa história se passa nos anos 70, período que esse tema era um grande tabu. No entanto, Burns utiliza desse pequeno fator fantástico para discutir temas reais. Essa mutação para alguns pode significar tanto a mudança do corpo de um adolescente, quanto até mesmo pessoas transgênero.
A relação com os pais, a pressão da escola, dos grupos sociais e o futuro. Muito mais que uma história de terror, Black Hole é sobre aceitação e mudança. Com passagens absurdamente reais que geram identificação em grande parte dos leitores, a história de Charles Burns é do tipo que não tem medo de colocar o dedo na ferida e expor nossos medos e anseios.
Assim como a maioria das graphic novels, acredito que o melhor formato para uma adaptação seria como uma série limitada. Uma minissérie com início, meio e fim. Sem novas temporadas. Black Hole não é só um das melhores histórias sobre a juventude nos quadrinhos, mas sim em qualquer mídia.
Paciência
Um dos queridinhos do cenário independente de quadrinhos, Daniel Clowes, já conta no currículo uma adaptação de uma de suas obras: “Ghost World” – ou “Mundo Cão”, na primeira versão no Brasil. Assim como o quadrinho, o filme se tornou um indie queridinho, porém não furou muito a bolha, mesmo contando com uma jovem Scarlett Johansson (“Viúva Negra”) no elenco.
Paciência, por sua vez, conta com a mesmo texto, característico pela ironia e facilidade que Clowes têm em criar diálogos, muitas vezes banais, que tornam tão naturais. Mas diferente de Ghost World, uma história sobre o tédio pós-moderno de uma juventude que não sabe o que quer do futuro, em Paciência há uma trama mais complexa. Ela é ma história sobre um casal e uma gravidez que envereda para uma louca história de viagem no tempo.
Essa ficção científica que conta com elementos e conceitos complexos, ao mesmo tempo que nunca se leva tão a sério. Esse equilíbrio poderia criar uma gostosa adaptação, como as obras mais inspiradas de Wes Anderson (“Os Excêntricos Tenenbaums”) ou do Spike Jonze (“Quero Ser John Malkovich”).
Por ser uma história curta, um longa-metragem (porque não um média-metragem?) seria ideal para criar essa história, apresentando os poucos personagens e concluindo essa aventura. Sem continuações. Uma história única e independente.
Quadrinhos A2
Se minhas dicas até então foram de histórias limitadas, Quadrinhos A2, feita pelo casal Cristina Eiko e Paulo Crumbim (“Penadinho – Vida”), é um compilado de excelentes causos de dois quadrinistas muito inspirados ao fantasiar o dia a dia da vida adulta de um casal. O projeto nasceu como uma webcomic e ganhou algumas temporadas em versão física, além de alguns especiais.
Diferente das demais dicas dessa lista, um fator fundamental, principalmente nos momentos de humor absurdo, são os elementos únicos da cultura brasileira. Com pequenas esquetes num streaming de vídeo, uma série de episódios curtos, uma adaptação animada ou live-action, quadrinhos A2 é uma das leituras mais gostosas que os quadrinhos modernos já me proporcionou e não vejo a hora dessa obra ser adaptada. Infelizmente não temos mais uma Fernanda Young (“Os Normais”) para entregar um texto tão bom, mas o material base já é rico e extremamente acessível.
Criminosos do Sexo
Ainda sobre a vida conjugal, mas dessa vez, com um tema mais adulto – e maluco –, Criminosos do Sexo traz o equilíbrio de uma história de um casal e uma trama maluca envolvendo poderes proporcionados pelo orgasmo e uma polícia especializada em pegar esse novo tipo de criminosos.
Criado pela brilhante – e perturbada – de Matt Fraction (“Jimmy Olsen: Quem matou Jimmy Olsen?”), a história mostra que neste universo algumas pessoas possuem o poder de parar o tempo toda vez que chegam ao orgasmo. Por coincidência, um casal, quando sincroniza seus orgasmos, descobre que a paralisação no tempo não os afeta quando isso acontece. E é partir daí eles têm a ideia de transarem, gozarem ao mesmo tempo e depois realizaram assalto a bancos.
Eu disse que Fraction tem uma mente perturbada. Mas por mais louca que parece essa premissa, a série se ancora muito mais na relação dos protagonistas e seus dramas pessoais. As doses de fantasia e aventura só tornam essa história mais divertida.
Criminosos do Sexo conta com volumes suficientes para se tornar uma série de sucesso por algumas temporadas. Um casal carismático, uma boa adaptação dos textos de Fraction e coragem de adaptarem essas maluquices podem ser o segredo para o sucesso.
Bendita Cura
Por fim, mas não menos importante, quero ressaltar outro quadrinho nacional. Bendita Cura, uma obra de Mário Cézar (“Ciranda da Solidão”), que é uma verdadeira ferida aberta, mas muito importante, mostrando os males da homofobia no Brasil de forma crua, mas não cruel. Em seus três volumes acompanhamos protagonista, desde sua infância até a vida adulta.
Por meio de uma arte com cores em tons pastéis, Cézar usa da sensibilidade artística como uma forma de amenizar o peso dessa história. O protagonista é um homem gay, como muitos. Essa é uma representação ficcional sobre o maléfico que a família, igreja e sociedade têm com pessoas apenas pela opção sexual.
Bendita Cura funcionaria perfeitamente como um filme. É uma história potente, ao mesmo tempo que é facilmente relacionável. Se fugir das cenas de violência gratuita, como o próprio material fonte faz, esse poderia ser um dos grandes filmes do cinema nacional.
O que achou de nossa lista? Conhecia todas essas histórias? Conta para gente quais seriam outros quadrinhos que também mereciam ser adaptados para outras mídias.
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