No fim de 2024, decidi revisitar o velho oeste. Não com um livro ou um filme, mas por meio de um jogo: Red Dead Redemption, lançado originalmente em 2010 e que, no ano passado, ganhou um port para PC. A oportunidade de jogar pela primeira vez esse clássico me fez refletir sobre as histórias que o faroeste contou e continua a contar, e como elas se entrelaçam com a arte cinematográfica, desde a criação dos personagens até a construção de um mundo imersivo e emotivo. A verdade é que Red Dead Redemption não é apenas um jogo de faroeste, mas uma obra que homenageia e recria a magia do cinema western, utilizando uma linguagem visual e narrativa que dialoga diretamente com filmes e diretores que definiram o gênero.
Ao começar minha jornada como John Marston, fui imediatamente transportado para um mundo que lembra não só o faroeste clássico, mas também as influências que definiram esse gênero. A busca de Marston por redenção é diretamente inspirada em personagens icônicos do cinema, como o Homem Sem Nome, interpretado por Clint Eastwood em filmes como “Por um Punhado de Dólares” (1964) e “Três Homens em Conflito” (1966), de Sergio Leone.
Assim como esses personagens, Marston é um homem marcado por um passado violento, em busca de uma segunda chance. Sua jornada é permeada pela dúvida, pela desilusão e pela violência, características essenciais do anti-herói do faroeste. A criação desse tipo de protagonista, introspectivo e carregado de falhas, é uma das maiores influências do cinema de Leone e de outros grandes cineastas do gênero.
Além disso, a própria narrativa de Red Dead Redemption bebe diretamente na fonte do western revisionista — movimento que surgiu no final dos anos 80 para questionar velhos conceitos de filmes clássicos do gênero — , com filmes como “Silverado” (1985), de Lawrence Kasdan, e “Os Imperdoáveis” (1992), de Eastwood — estrelando, mas também atrás das câmeras.

Esses filmes reexaminam a ideia de heróis e vilões no contexto do velho oeste, mostrando que o verdadeiro faroeste é cheio de cinismo, moralidade ambígua e personagens complexos. Marston, em sua busca por redenção, é um reflexo dessa transição de um mundo romântico e idealizado para um lugar brutal e cheio de falhas. Ainda em Os Imperdoáveis, o jogo se inspira na narrativa, onde a figura do pistoleiro aposentado volta a ser chamada para resolver pendências, mas, ao longo do processo, se vê confrontado com o peso moral de suas ações passadas.
O design do mundo de Red Dead Redemption também bebe no vasto e desolado cenário do faroeste, lembrando filmes como “Django Livre” (2012) e “Os Oito Odiados” (2015), ambos de Quentin Tarantino. As paisagens áridas, as grandes planícies e as montanhas imponentes são recriações de ambientes vistos em filmes como “O Homem que Matou o Facínora” (1962), de John Ford.
O jogo não apenas captura a estética desses filmes, mas a expande, permitindo ao jogador caminhar por eles de forma interativa. A imersão é completa, com o vento cortante, o som dos cascos de um cavalo ecoando ao longe e os céus imensos que nos lembram o quão pequeno o ser humano pode se sentir diante da grandiosidade da natureza.

A trilha sonora também é fundamental para evocar a sensação de estar dentro de um western clássico. A música de Red Dead Redemption, composta por Bill Elm e Woody Jackson. Vale lembrar que todas essas faixas foram produzidas exclusivamente para o jogo. Dupla consegue emular a grandiosidade e a melancolia dos filmes de Sergio Leone, especialmente em relação às trilhas compostas por Ennio Morricone, como em Três Homens em Conflito. Os acordes de guitarra, violinos, coros e os sons minimalistas criam uma atmosfera de tensão e solidão que é marca registrada do gênero western. O uso de música para acentuar momentos dramáticos e de ação faz com que o jogador sinta a mesma emoção de estar assistindo a um filme de faroeste épico.
Em termos de ambientação, Red Dead Redemption também é um tributo aos grandes épicos de western, com uma atenção minuciosa aos detalhes que remete ao trabalho, sobretudo, de diretores como John Ford e Howard Hawks, cujos filmes eram conhecidos por capturar a essência do velho oeste de uma forma realista e, ao mesmo tempo, poética.
O jogo é repleto de vilarejos abandonados, saloons decadentes, e cenas de confrontos à luz do crepúsculo, tudo com a mesma elegância visual que vimos em filmes como “No Tempo das Diligências” (1939) e “Rastros de Ódio” (1956). Cada elemento do ambiente de Red Dead Redemption faz referência a esses filmes, criando uma sensação de continuidade e tradição que ecoa o passado do gênero.
Além disso, a interação com os personagens no jogo traz uma forte inspiração nos diálogos e na construção de relações encontradas em filmes como O Homem que Matou o Facínora e “Onde Começa o Inferno” (1959), sendo o último marcado por sua cena inicial sem diálogos, apresentando seus personagens apenas por suas ações.

A forma como os personagens em Red Dead Redemption são apresentados – com diálogos afiados, muitas vezes ambíguos e carregados de subtexto – evoca o estilo de roteiros de westerns clássicos, nos quais as palavras têm tanto peso quanto as balas. A criação dos personagens no jogo reflete os arquétipos do gênero, mas vai além deles, oferecendo profundidade psicológica que os torna mais humanos e complexos.
Em relação a Red Dead Redemption 2, lançado em 2018, o jogo expande ainda mais as temáticas abordadas no primeiro, com uma maior complexidade na moralidade e na lealdade, mas para ser sincero, meu contato foi apenas no ano de lançamento, então não consigo traçar tantas referências além das mais diretas, como O Último dos Moicanos (1992), de Michael Mann na jornada de Arthur Morgan, com sua luta para encontrar sentido e redenção em um mundo que está se transformando rapidamente, é uma meditação sobre a morte do faroeste e a transição para uma nova era, onde novamente somos remetidos a Os Imperdoáveis.
O Velho Oeste e a redenção dos videogames

Red Dead Redemption não é apenas um jogo — é uma obra que transcende a mídia. Ele não se limita a ser uma recriação digital de um gênero cinematográfico, mas eleva o próprio conceito de storytelling dentro dos videogames a um nível artístico raramente alcançado.
Por mais que o Velho Oeste tenha sido uma terra de mitos e contradições, Red Dead Redemption nos mostra que, no fim das contas, a verdadeira jornada de redenção é a de compreender o legado de um tempo perdido e as escolhas que fazemos ao tentarmos escapar dele. E, assim como os protagonistas de sua história, os videogames finalmente conquistaram o reconhecimento merecido — não apenas como um meio de entretenimento, mas como uma forma de arte que pode e deve ser levada a sério. A narrativa, a estética e a profundidade emocional de Red Dead Redemption provam que, às vezes, o caminho para a redenção passa por um universo virtual tão real quanto qualquer outro.
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