Em um Brasil onde a produção cultural, especialmente no campo dos quadrinhos, ainda se concentra principalmente nas metrópoles do Sudeste, o Norte do país começa a se destacar como um novo polo criativo. Com uma produção rica e diversificada, mas historicamente ofuscada, a região amazônica, ao lado de seus coletivos e artistas, está transformando a narrativa dos quadrinhos nacionais.
Nesta quinta-feira (30), quando se comemora o Dia do Quadrinho Nacional, devemos dar ênfase em movimentos como o Norte em Quadrinhos e o AP Quadrinhos, que tem ganhado cada vez mais força e reconhecimento. E com a criação do Circuito Amazônico de Quadrinhos, o cenário parece mais promissor do que nunca.
Coletivos e artistas em união
A região Norte, composta por estados como Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, já possui uma produção de quadrinhos que remonta há várias décadas. Contudo, as produções eram, em grande parte, isoladas em suas respectivas cenas locais, sem a visibilidade e a força de uma união regional.
A trajetória do AP Quadrinhos, coletivo fundado em 2012 em Macapá, no Amapá, é um exemplo claro dessa movimentação. O coletivo, criado por um grupo de artistas locais com o intuito de fortalecer a produção de quadrinhos no estado, sempre teve como um dos seus maiores desafios a falta de apoio institucional e o isolamento geográfico da região.
O projeto iniciou com a revista “Mixtureba”, que logo se tornou um marco para a produção de quadrinhos no Estado, com histórias criadas por novos artistas. Desde então, o coletivo não só lançou outras publicações, como “Multiverso Capitão Açaí” e “Causos do Meio do Mundo”, como também promoveu oficinas e exposições, sempre com o intuito de democratizar o acesso à arte.
O trabalho de democratização e acessibilidade continua sendo uma das maiores bandeiras do coletivo, que não se limita às grandes cidades, mas busca alcançar todos os cantos do Amapá com suas publicações e ações culturais.
Com o crescimento do movimento e a crescente participação em eventos fora do estado, o contato com outros coletivos e artistas da região foi se intensificando. Isso levou à criação de um ambiente de colaboração entre os quadrinistas do Norte, com trocas de experiências e colaborações inter-regionais, algo que sempre foi muito difícil devido à distância e à falta de recursos. A ajuda mútua entre artistas de diferentes estados foi fundamental para que o cenário começasse a ganhar mais visibilidade, especialmente em um país com uma estrutura de mercado tão desigual.
Mas a situação começou a se modificar quando o Norte em Quadrinhos, idealizado por Sâmela Hidalgo, passou a unificar os esforços dos artistas da região. “A produção de quadrinhos na região Norte já acontecia há décadas, muito antes da criação do projeto, porém de forma separada, cada estado produzindo na sua própria cena. O que o Norte em Quadrinhos conseguiu foi unificar essas produções e reunir o Norte em um só”, revela Sâmela. Essa união, segundo ela, deu ao Norte uma força muito maior, tornando impossível ignorar a região no mercado de quadrinhos.
O projeto de Sâmela Hidalgo surgiu como uma resposta à escassez de representantes do Norte na maior convenção de quadrinhos do Brasil, a CCXP. Com o desejo de preencher esse “buraco”, começou a organizar lives semanais no Instagram, criando um espaço de visibilidade para os quadrinistas da região. Seu objetivo sempre foi descentralizar a produção dos quadrinhos, mostrando a pluralidade das histórias nortistas e garantindo que a região fosse representada de maneira verdadeira e autêntica.
Resistência e visibilidade
A crescente visibilidade dos quadrinistas da Amazônia está permitindo que a região ganhe novos espaços e que os estereótipos sobre o Norte sejam quebrados. As obras da região, que muitas vezes retratam o cotidiano amazônico ou abordam temas universais sem perder a essência local, começam a encontrar um público mais amplo.
Em 2023, o AP Quadrinhos participou de eventos como a Semana do Quadrinho Nacional e a FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos), ganhando notoriedade nacional e estreitando laços com outros artistas e coletivos de diferentes estados.
A participação nesses eventos não só aumentou a visibilidade da produção local, como também fortaleceu a colaboração entre os quadrinistas da região. “Esses eventos foram fundamentais para conhecer artistas de outras regiões e estreitar laços. Não é só sobre expor o trabalho, mas também sobre formar uma rede de apoio e aprendizado”, observa João Gaia, coordenador do AP Quadrinhos.
Além disso, em resposta à crise ambiental das queimadas em Manaus em 2023, o Norte em Quadrinhos uniu artistas para criar ilustrações que denunciam o descaso com a Amazônia. Essas ilustrações, publicadas nas redes sociais, servem como um alerta sobre a situação da região, ao mesmo tempo em que demonstram a força da arte como ferramenta de resistência.
O futuro é promissor
Com a crescente união e fortalecimento dos coletivos e artistas do Norte, o próximo passo foi a criação do Circuito Amazônico de Quadrinhos, evento que reunirá quadrinistas de cinco capitais da região: Manaus, Boa Vista, Macapá, Belém e Palmas. O evento, que promete uma programação rica com feiras, exposições e oficinas, visa consolidar ainda mais o Norte como um polo criativo emergente, promovendo o encontro entre artistas, editores e leitores, além de dar mais visibilidade à produção regional.
“O Circuito Amazônico é uma oportunidade de fortalecer a produção regional e unir os quadrinistas da Amazônia para que suas obras ganhem o reconhecimento que merecem”, destaca João Gaia, reforçando o impacto de iniciativas como essa na expansão do mercado de quadrinhos do Norte.
Com o apoio de projetos como o Norte em Quadrinhos e a crescente colaboração entre os coletivos de diferentes estados, a região está não apenas ganhando visibilidade, mas também se consolidando como um polo criativo independente. A ideia é que, com eventos como o Circuito Amazônico, a produção de quadrinhos do Norte tenha a chance de se destacar e ser reconhecida nacionalmente, sem depender dos grandes centros urbanos do Sul e Sudeste.
Novo polo de produção da 9ª arte no Brasil
Ao melhor estilo “Nós por Nós”, o Norte do Brasil tem, finalmente, conquistado o espaço e a visibilidade que merecia no cenário dos quadrinhos brasileiros. O trabalho incansável de coletivos e artistas, como o AP Quadrinhos e o Norte em Quadrinhos, aliado ao surgimento de eventos como o Circuito Amazônico, demonstra que a região não é apenas um celeiro de biodiversidade, mas também um campo fértil para a criação de histórias inovadoras.
Ao unir os artistas da Amazônia, a região se torna um polo criativo que, com sua resistência, diversidade e pluralidade, tem muito a contribuir com o cenário cultural do Brasil. O futuro é promissor, e os quadrinistas do Norte estão prontos para conquistar cada vez mais espaço, quebrando barreiras e fortalecendo a narrativa do Norte no imaginário coletivo.
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