Se há uma obra que define, de maneira eloquente, o que é o Superman, essa obra é Grandes Astros: Superman, escrita por Grant Morrison e ilustrada por Frank Quitely. Lançada em 2005, a história não se limita a um simples confronto entre o herói e seus inimigos, mas reflete sobre a própria essência do Homem de Aço, suas virtudes, seus dilemas e, acima de tudo, sua humanidade. Morrison, conhecido por sua abordagem única e criativa, sempre soube dar profundidade a personagens que, à primeira vista, poderiam parecer exagerados ou um tanto antiquados. E foi isso que elu fez com o Superman – não o reinventando, mas, sim, desafiando o leitor a olhar para o herói de uma forma mais complexa.
Essa visão de um Superman mais sensível e humano parece ser a grande inspiração para o filme de James Gunn, que promete explorar o herói de forma mais íntima e emocional, além das cenas de ação.
O que é Grandes Astros: Superman?
A série “Grandes Astros” foi criada para servir como homenagens ao legado de seus principais personagens. Embora a versão do Superman tenha cumprido com o objetivo, ao ponto de ser a história preferida do personagem para fãs de longa data, esses especiais foram descontinuados devido ao fracasso de “Grandes Astros: Batman & Robin” de Frank Miller –mas essa é uma conversa para outra hora.
A trama de Grandes Astros: Superman começa com o protagonista enfrentando sua mortalidade. Uma armadilha de Lex Luthor sobrecarrega suas células com energia solar, um golpe fatal que põe o herói contra o tempo. A partir daí, o que se desenrola não é apenas uma corrida para salvar o mundo, mas uma meditação sobre a vida e a morte de um ser que parece imbatível. Com a sensação de que seus dias estão contados, Superman começa a fazer uma lista de coisas a fazer antes de morrer: revelar sua identidade a Lois Lane, resolver problemas do passado, como a cidade miniaturizada de Kandor, e ajudar aqueles que mais precisam. Essa trajetória de despedida, como em muitas histórias, poderia ser sombria e melancólica, mas Morrison, transforma tudo isso em uma jornada cheia de cor, energia e, principalmente, emoção.
Humanidade em meio ao poder
A proposta central da história é simples, mas poderosa: o que aconteceria se Superman soubesse que seus dias estão contados? Ao invés de explorar uma narrativa de derrotismo, o roteirista opta por mostrar como o herói se aproxima da morte, mas sem perder a essência de sua missão. Ele é mais do que um homem com superpoderes; ele é um símbolo de esperança, alguém que, mesmo diante de seu fim, encontra força para fazer o bem e inspirar as pessoas. Morrison, dessa forma, não se limita a mostrar o Superman de forma grandiosa e mítica, mas sim humana e vulnerável. A trama vai além da ação convencional e questiona o que ele faria se tivesse tempo para deixar um legado – não apenas salvar o mundo, mas também tocar a vida de quem ele ama.
Um dos momentos mais emblemáticos da história ocorre quando Superman revela sua identidade a Lois Lane, um acontecimento que, surpreendentemente, ela não acredita. Como poderia ela, a repórter mais astuta do mundo, não perceber que seu grande amor era o Superman? Essa cena é não apenas uma crítica sutil à ingenuidade do conceito clássico de Clark Kent, mas também uma reflexão sobre como, até os maiores feitos, são frequentemente ofuscados por nossas próprias limitações. O casamento entre o poder de Superman e sua humanidade nunca foi tão bem explorado como aqui.
Outro aspecto importante é como Morrison utiliza a relação de Superman com Lex Luthor, seu arquiinimigo, para tecer uma crítica à própria natureza do herói. Em um momento, Superman tenta reabilitar Lex, falando com ele sobre a possibilidade de redenção, o que só reforça a ideia de que, por mais poderosos que sejam, todos nós somos sujeitos aos nossos erros, e que até o maior vilão pode, quem sabe, ter alguma chance de mudança. Ao fazer isso, Morrison nos lembra que o verdadeiro poder de Superman está em sua capacidade de acreditar no melhor das pessoas, até mesmo dos que desejam sua morte.
Encapsulando a história do Superman em 12 volumes
O trabalho de Morrison não é apenas uma narrativa sobre o herói, mas uma verdadeira homenagem a sua longevidade nos quadrinhos. Elu não se limita a contar uma história de ação, mas enche a trama com referências, simbolismos e momentos que evocam os 70 anos –na época de lançamento – de história do personagem. O resultado é uma obra que, ao mesmo tempo, é uma reflexão sobre o legado do Superman e uma reinterpretação que quebra com certas convenções do gênero.
Morrison aborda questões existenciais e profundas, sem deixar de lado o estilo clássico do herói. Superman, apesar de estar morrendo, encara sua mortalidade com uma aceitação surpreendente, aproveitando ao máximo seu tempo para corrigir erros do passado e ajudar as pessoas que cruzam seu caminho. Isso dá à história um tom de urgência, mas também de contemplação, já que ele sabe que suas ações, por mais heroicas que sejam, não podem reverter o destino.
Em vários momentos, Morrison subverte expectativas. Por exemplo, quando Superman encontra uma versão bizarra de si, o Zibarro, em um mundo distorcido e decadente, o encontro se torna uma alegoria sobre o impacto que ele exerce sobre os outros. A vida do herói, por mais que pareça clara e retificada, está repleta de nuances e sombras, e isso é abordado com uma leveza que só um roteirista como Morrison poderia trazer.
Além disso, a interação de Superman com outros personagens, como Jimmy Olsen e Lois Lane, não é apenas um pano de fundo para a ação. Cada cena tem um propósito maior: construir o caráter do Superman, fazer com que o leitor reflita sobre o impacto de suas ações e sobre como ele influencia a vida dos outros, mesmo nas pequenas coisas. No fundo, a mensagem de Morrison é clara: ser Superman não é apenas lutar contra vilões, mas ser uma força constante de bondade e mudança positiva, mesmo quando se enfrenta a morte.
A arte de Frank Quitely: a força visual da HQ
Embora o roteiro de Morrison seja impressionante, a arte de Frank Quitely não fica atrás. O ilustrador, conhecido por seu estilo único e detalhado, capta perfeitamente o tom de Grandes Astros: Superman, equilibrando momentos de grande ação com instantes de introspecção. Seu Superman, embora poderoso, não é intransponível. Quitely opta por retratar o herói de uma maneira que exalta sua humanidade, mas também a grandiosidade do seu ser. A capa curta, a clássica cueca vermelha e a figura de um Superman gigante fazem parte de um design que não busca necessariamente se apegar à tradição visual, mas criar uma versão mais moderna e orgânica do personagem.
As ilustrações de Quitely são complexas, mas eficazes. A cena onde Lois Lane ganha os poderes de Superman e, junto com ele, enfrenta monstros e dinossauros, é uma das mais marcantes. Ao lado de Morrison, Quitely consegue transformar uma história aparentemente simples em algo visualmente espetacular. Sua habilidade de capturar a escala e o impacto de um herói como Superman, ao mesmo tempo que humaniza suas interações, faz com que o leitor se envolva emocionalmente com a trama. E essa empatia é um dos pontos mais fortes da obra, pois, ao final, Superman não é apenas um super-herói, mas um homem que se importa com o que acontece ao seu redor.
A Legado de Grandes Astros: Superman
A crítica que Grandes Astros: Superman faz a muitos aspectos da mitologia do personagem é uma das mais sutis e inteligentes. Morrison não procura descontruir o Superman, mas sim explorar suas contradições e paradoxos de uma maneira que, paradoxalmente, só reforça sua importância. Em um mundo onde os super-heróis estão cada vez mais distantes da humanidade, o Superman de Morrison é uma figura que, mesmo diante da morte, busca fazer o bem e corrigir os erros de seu passado.
Por mais que a obra tenha suas falhas, especialmente no que diz respeito a um excesso de simbolismo e algumas passagens mais confusas, ela consegue encapsular o que há de melhor no Superman: seu otimismo inabalável e sua crença de que, independentemente dos desafios, “sempre há uma solução”. Em muitos aspectos, a obra te lembra que ninguém precisa ser o Superman para ter a capacidade de transformar o mundo ao seu redor.
Grandes Astros: Superman não é apenas uma grande história em quadrinhos. É uma declaração sobre o que o Superman realmente representa: um herói, sim, mas, mais do que isso, um símbolo eterno de esperança, compaixão e humanidade. Ao revisitar as raízes do personagem e dar novas camadas a tudo o que ele representa, Morrison e Quitely criam uma obra que, mesmo anos após sua publicação, continua sendo uma das mais emblemáticas da 9ª arte.
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