Crítica | A depressão e o medo de falhar em É Solitário no Centro da Terra

Quando se fala em histórias em quadrinhos, muitas pessoas pensam logo de cara na Turma da Mônica, gibis de super-heróis e histórias mais infantis, mas isso não poderia estar longe da verdade com É Solitário no Centro da Terra, escrito e desenhado pela Zoe Thorogood (“A Cegueira Iminente de Billie Scott, Rain”) e lançado pela editora Conrad.

Ao abrir o quadrinho o leitor já dá de cara com um aviso de gatilho informando que essa história vai tratar de temas como: depressão, suicídio, automutilação, entre outros. Então já sabemos que essa é uma história muito pesada e, além disso, também é uma autobiografia.

É Solitário no Centro da Terra abre com a autora se apresentando, falando que se essa história fosse um filme seria uma comédia romântica leve e gostosa de assistir, mas isso não é um filme. E logo na segunda página vemos Zoe falando que tem considerado se esfaquear no pescoço com uma faca afiada.

Depois da apresentação, a artista britânica decide contar a história de seis meses da sua vida, julho a dezembro de 2021, que foi um período muito nebuloso na vida dela. Com apenas 23 anos de idade, ela era uma jovem autora de sucesso, com seu primeiro livro, A Cegueira Iminente de Billie Scott, vendendo horrores, sendo convidada para convenções de quadrinhos e com fãs ardorosos esperando na fila para pegar seu autógrafo. Mas ela não se sente merecedora disso.

Enquanto ela conta essa história, também vemos diversos flashbacks, com a Zoe com 14 anos de idade no começo da sua depressão e tendo pensamentos suicidas. Vemos também algumas passagens com a família dela e entendemos que a relação entre eles não está muito boa, ela afastando os amigos, tudo o que uma pessoa com uma depressão tão forte não deveria fazer.

Nós, leitores, acompanhamos essa história, esses seis meses, com angústia, com medo do que pode acontecer. Como ela escreveu e lançou esse quadrinho, sabemos que ela não se mata, mas será que a história termina em um lugar melhor do que começou? 

Além da trama central da história, uma das coisas que mais gostei em É Solitário no Centro da Terra é de como ele é metalinguístico e de como a Zoe brinca com a linguagem dos quadrinhos tanto na história como nos desenhos.

Logo na apresentação da história a própria autora senta e conversa com o leitor contando a ideia do quadrinho e onde ela quer chegar com ele, até que ela é interrompida pelo “câmera” que estava filmando aquela cena para nós e fala para a autora ir mais rápido porque estava ficando enfadonho.

Ou quando lá para o meio da edição ela decide que a história não está boa e recomeça de novo, aparecendo novamente a capa e ficha catalográfica do quadrinho como se tudo aquilo que veio antes fosse inválido. O jeito que ela brinca com a linguagem é genial, e é um tipo de brincadeira que só é possível com as HQ’s.

Com os desenhos ela faz a mesma coisa, passando do preto e branco para o extremamente colorido; com desenhos misturados com fotos e colagens. É um tipo de arte que nunca tinha visto em nenhuma história, e estou ansioso para ver os próximos lançamentos dessa autora que ainda tem muita estrada pela frente.

No mais, É Solitário no Centro da Terra, é uma história linda, triste, tocante que merece ser lida, mas vale o aviso da própria autora: se for ler, tome cuidado com o estado mental em que você está, porque diversas cenas podem causar gatilhos. E caso esteja passando pela mesma situação da autora, não hesite em procurar ajuda.

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