Quadrilogia das Cores | Hulk: Cinza – A monstruosidade, o luto e o amor

Quem é o monstro de quem? Confira nossa análise da obra de Jeph Loeb e Tim Sale sobre o gigante esmeralda.

Hulk: Cinza é a terceira entrada na série das “Cores” da Marvel, obras da dupla dinâmica de Jeph Loeb e Tim Sale. Foi lançada entre 2003 e 2004 e trata de uma recontagem, a partir de um encontro no consultório de Leonard Samson, dos primeiros dias de Bruce Banner como Hulk. Além do início de sua fase fase, Bruce se aprofunda em seus relacionamentos com Betty, General Ross e Rick Jones.

Confira a última parte da nossa celebração dessa série!

O Hulk tá meio pálido, né?

Logo de cara, temos um Hulk bem familiar em uma enrascada do tipo que já estamos acostumados: as perseguições do General Ross e seu exército e a posterior destruição causada pelo bom e velho grandão.

Percebe-se (com ajuda do título) que nosso gigante esmeralda está menos esmeralda do que de costume. Ao que a extremamente extensa e complicada história do(s) Hulk(s) nos leva a entender, sua cor original é cinza porque (além dos motivos editoriais do mundo real e de sinergia com o Demolidor, que era amarelo inicialmente), nesse início, Banner tinha recebido apenas uma dose pequena da radiação, posteriormente, isso mudou e sua pele se tornou verde.

Como aqui estamos apenas nos primeiros dias do grandão e a história é uma recontagem desse início com Jack Kirby e Stan Lee, Loeb e Sale escolheram o cinza.

Hulk envolto por fogo após destruir um tanque em Hulk: Cinza nº1.
Hulk: Cinza nº1

Obviamente, o cinza é bem mais significativo que isso, mas deixemos isso para o final.

A família Ross

Hulk bate na porta da casa de Betty Ross em Hulk: Cinza nº2.
Hulk: Cinza nº2

Betty Ross ganha destaque do início ao fim, de algumas formas diferentes. Começando pelo fato de que o encontro com Leonard, onde a recontagem começa, se passa no aniversário de casamento de Betty e Bruce.

Betty aqui está encurralada, não importa para onde vá. Em casa, o General, seu pai, continua sendo uma figura grosseira e autoritária. O Hulk se mostra obcecado por ela e embora o grandão nunca a machuque intencionalmente, o sequestro não é bem uma situação relaxante. Por fim, Bruce dá a entender que se foi, que morreu com a explosão da bomba.

A aparente morte de Bruce — e seu efeito em Betty — são muito exploradas nos diálogos do próprio Bruce com Leonard no presente, que teorizam que ela também passa pelas fases do luto durante esses dias.

Nesse ponto da cronologia do universo, Betty está morta. Isso une ainda mais a conexão entre as quatro histórias da quadrilogia, afinal, em todas as histórias, o luto por alguém querido é sempre um dos fatores mais comoventes.

General Ross, gritando furiosamente em Hulk: Cinza nº1.
Hulk: Cinza nº1

Sobre o General Ross, nada de particularmente novo é revelado. O veterano de sabe-se lá quantas guerras e conflitos encontra um obstáculo intransponível no Hulk, sentindo, talvez, medo e impotência genuínos pela primeira vez.

Em um dos capítulos, Bruce passa bastante tempo narrando uma história interessante sobre um homem que amarra seu cachorro em uma árvore e começa a atirar repetidamente contra a árvore, ou chão, mas sempre bem próximo ao animal. Isso acontece por vários dias até que o homem solta o cachorro — que imediatamente avança contra a mão do dono — a mesma mão que sempre puxava o gatilho da arma.

Ao fim da história, Leonard pergunta para Bruce: qual dos dois personagens representa ele e o Grandão e qual representa Ross.

Leonard comenta outro ponto interessante sobre a relação dos personagens. O General é, também, visto como um monstro de uma forma ou de outra, mas ainda é amado por sua filha. Bruce, como alter ego do monstruoso Hulk, também ainda é digno do amor de Betty (inclusive depois de ela descobrir a identidade dupla de Banner).

O Dr. Samson planta essa sementinha na cabeça de Bruce, que Betty talvez o amasse, mesmo conhecendo-o como o Hulk, pela familiaridade que sentia entre ele e seu pai.

A bomba gamma faz mal pros dentes

Tim Sale continua brilhando como artista, suas formas simples porém identificáveis, sombras fortes porém ressaltadas, tudo isso e muito mais faz parte de seu estilo, aqui muito bem representados.

Assim como o cenário devastado pela guerra em Capitão América: Branco, aqui vemos os icônicos cânions e desertos americanos, já clássicos nas histórias do Hulk. O próprio grandão aqui tem suas feições já comuns, uma cara enorme, larga, sobrancelhas cartunescamente acentuadas e um aparelho bucal de dar um ataque cardíaco em qualquer um.

Alguns momentos são dedicados a grandes ilustrações, belíssimas e simples, geralmente com nosso protagonista solitário em algum penhasco — ótimos candidatos a papéis de parede.

Por que Cinza?

Como comentado anteriormente, o cinza é pertinente por mais motivos do que apenas o quão drogado de radiação gamma nosso protagonista está.

Uma interpretação mais óbvia mas que não deixa de ser interessante é o luto, tema fundamental em toda a quadrilogia e que é mais frequentemente associada a cor preta. Bem, preto e cinza não são tão distantes assim, certo?

Hulk após ver que Betty se machucou em Hulk: Cinza nº4.
Hulk: Cinza nº4

Outra interpretação, apontada por Bruce em um dos capítulos, é o fato do mundo não ser preto e branco ao falarmos de moralidade. Não existe apenas o bem e o mal da forma como histórias infantis podem nos levar a crer. O que existe são zonas cinzas, que borram nossa visão e torpe nossos sentidos.

Essa mensagem também é aplicada ao antagonista, Ross, mas é aqui que talvez a trama peque. Mesmo com comentários ácidos, porém válidos de Samson, tanto ele quanto Banner (até Betty, em certa medida) concordam que o General é uma figura psicótica, insana, que merece pouca simpatia. A única coisa decente que Bruce tem a dizer sobre seu antagonista é que “ele não merece morrer, ninguém merece morrer”.

Isso não ajuda tanto na dinâmica entre os dois dentro dessa noção de que o mundo e a moralidade são cinzas.

Concluindo, Hulk: Cinza é uma bela leitura e uma inclusão digníssima dessa quadrilogia que deixou sua marca na Marvel. Os monstros ao nosso redor nem sempre são fáceis de identificar.

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Tradutor, intérprete e redator do Conecta Geek. Especialidade (ou mero gosto) em jogos e HQs.