O mercado musical brasileiro fechou 2024 com um faturamento recorde de R$ 3,486 bilhões, um crescimento de 21,7% em relação ao ano anterior, consolidando o Brasil na 9ª posição no ranking da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), segundo o relatório da Pro-Música. No entanto, para a maioria dos artistas, esse sucesso na indústria musical brasileira não se traduz em ganhos reais. Um músico de Natal, de 32 anos, que mora em São Paulo há nove anos, que prefere não se identificar, resume a frustração de quem tenta sobreviver na indústria: “Onde está esse dinheiro todo? Porque, pra mim, ele não chegou”.
Ele, que trabalha na área para uma grande produtora e em paralelo produz música autoral de forma independente, diz que seu trabalho artístico se tornou praticamente um passatempo. “Eu tenho músicas em plataformas de streaming, mas o retorno financeiro é quase zero. Para ganhar algo significativo, você precisa de milhões de plays, e isso é algo que só artistas com grana para investir em marketing conseguem. Não me identifico porque trabalho na área e sei como isso funciona. Para alguns ficarem milionários, milhares de artistas estão na luta, infelizmente, estou no segundo grupo”, desabafa.
Concentração de receitas no streaming
O streaming é o grande responsável pelo crescimento da indústria, representando 87,6% das receitas totais em 2024. No entanto, a distribuição desses recursos é extremamente desigual. Enquanto grandes gravadoras e artistas consagrados dominam as playlists e faturam alto, artistas independentes recebem valores irrisórios por stream. “Eu recebo menos de R$ 0,005 por play. Isso significa que, para ganhar R$ 1.000, eu precisaria de mais de 200 mil reproduções. É surreal”, critica o músico.
Os serviços de streaming podem até parecer facilitar nossa vida, afinal, em pleno 2025 ninguém parece querer acumular mídias digitais em computadores ou celulares, mas com essa nova lógica de mercado todo produtor de conteúdo teve que se adequar. No caso dos músicos, existe uma tentativa de equilíbrio em ter suas músicas disponíveis facilmente em todos os streamings e conseguir lucrar com elas. Normalmente, a última opção é sacrificada.
Quebrando essa lógica, ano passado, a banda paulistana de rock alternativo/psicodélico Applegate decidiu vender suas canções como um acesso antecipado, antes delas entrarem nos serviços de streaming. De acordo com o guitarrista e vocalista do grupo, Gil Mosolino, o sonho da gravação do segundo álbum só foi possível por essa iniciativa.
Se depender dos streamings, a gente [artistas] morre de fome, exclama Mosolino.

Mosolino conta que a ideia surgiu da lógica de mercado do cinema, onde existe uma bilheteria para o período de exibição nos cinemas e só depois os longas vão aos serviços de streaming. Essa abordagem inovadora pode ser um caminho para artistas independentes conquistarem maior autonomia e sustentabilidade em um mercado cada vez mais concentrado e desigual.
Competição por visibilidade
O relatório da Pro-Música destaca a competição acirrada por espaço e visibilidade nas plataformas de streaming, onde quase 200 milhões de gravações estão disponíveis. Para o entrevistado, essa realidade é esmagadora. “As playlists são dominadas por artistas que têm grana para pagar por posicionamento. Nós, independentes, ficamos à mercê de algoritmos que não favorecem a diversidade”, afirma.
Ele também questiona a lógica do sucesso no streaming: “Antes, pelo menos, você podia vender CDs ou vinis em shows e ter um retorno direto. Hoje, mesmo com milhões de streams, muitos artistas não conseguem pagar as contas. O modelo é injusto”, afirma.
Embora o mercado físico tenha crescido 31,5% em 2024, com os discos de vinil movimentando R$ 16 milhões, esse segmento é inacessível para a maioria dos artistas independentes.
Benefícios para poucos
O relatório aponta um aumento de 14,9% na arrecadação de direitos conexos de execução pública (R$ 386 milhões) e um crescimento de 36% nas receitas de sincronização (R$ 19 milhões). No entanto, o músico afirma que esses recursos raramente chegam aos artistas independentes. “Eu tenho músicas tocando em rádios e até em alguns programas, mas receber esses direitos é uma burocracia sem fim. Muitas vezes, você nem sabe que sua música foi usada”, explica.
O crescimento da indústria musical brasileira em 2024, embora impressionante, não reflete a realidade da maioria dos artistas. Para o músico entrevistado, o sistema atual é excludente.
Enquanto as grandes gravadoras e plataformas faturam bilhões, nós, artistas independentes, mal conseguimos sobreviver. Onde está esse dinheiro todo? Porque, pra mim, ele não chegou!
Sua história é um retrato de uma indústria que, apesar dos números recordes, ainda precisa encontrar formas de distribuir seus ganhos de maneira mais justa. Enquanto isso, para muitos artistas como ele, a música autoral segue sendo um passatempo, longe de se tornar uma fonte sustentável de renda.
Leia também:
Deixe uma resposta