Não é novidade pra ninguém que o cinema, acima de uma fonte de entretenimento e cultura, é um produto. Sobretudo as obras hollywoodianas, são movidas pelos números e sem isso elas não importam. O recente sucesso de Ghostbusters: Apocalipse de Gelo o que e Godzilla e Kong, são prova disso e escancaram que a mediocridade sempre vencerá.
Longe de fazer um discurso elitista sobre o que é boa ou má arte, mas ver como esses produtos chegaram, em 2024, mostram que as grandes franquias e a nostalgia podem superar qualquer ideia original. Se hoje discutimos uma suposta saturação dos filmes de super-heróis, que há poucos anos faziam bilhões de bilheteria sem muito esforço. Godzilla foi um produto que, mesmo icônico na cultura pop, demorou para realmente virar um sucesso no ocidente.
Curiosamente, foi quando os filmes da franquia se tornaram mais genéricos e simplistas que foi gerando mais renda. Godzilla x Kong, foi talvez o primeiro sucesso pós-pandêmico, em meados de 2021. Uma bobeira extremamente previsível e agora, sua continuação, seguiu a mesma receita, reforço com menos personalidade ainda.
Quando Godzilla e Ghostbusters tentaram fazer diferente as coisas não deram certo
Basta olhar para as outras adaptações de Godzilla que “não deram certo”. O filme de 1998 bebe da fonte da franquia Jurrasic Park, mas tenta criar uma história original. Com elementos bastante diferentes dos filmes japoneses, ele mistura o terror de monstros gigantes com doses de filmes de catástrofes, um subgênero que bombava no final dos anos 90 motivado pelos perigos reais para a humanidade causado pela popularização do debate do aquecimento global e as teorias conspiratórias envolvendo um suposto “bug do milênio”.
Essas ideias, mesmo que datadas, deram uma cara ocidental e original de um personagem que representa, metaforicamente, os horrores causados pela bomba atômica – lançados do próprio Estados Unidos (EUA) no Japão.
A segunda tentativa aconteceu apenas em 2013, dessa vez, com novas influências e se utilizando de elementos fora do comum para filmes de criaturas gigantes. Focada em um falso protagonista até metade do longa e sem mostrar a criatura por maior parte do tempo, com uma proposta até mesmo lovecraftiana, a recepção do longa não foi das melhores.
Assim como nos filmes de Godzilla, algo parecido, mas em um contexto diferente, aconteceu com Os Caça-Fantasmas – que, agora a franquia definiu o nome como Ghostbusters para todos os longas. Com a proposta de se utilizar da iconografia da franquia, mas com novos personagens e uma abordagem moderna, “Caça-Fantasmas”, de 2016, foi um fracasso de bilheteria e de crítica – embora que boa parte foi movida por misoginia.
Foi então que, movido por uma nostalgia barata surgiu “Ghostbusters – Mais Além”, mesmo chegando timidamente aos cinemas, sem muito alarde, se tornou no boca a boca e por meio de boa parte da crítica, bem avaliado. Não se tornando um sucesso, mas foi o suficiente para que uma continuação fosse encomendada. Lançado neste ano Ghostbusters: Apocalipse de Gelo, que se utiliza dos mesmos artifícios do longa anterior, mas pegando mais pesado na nostalgia. O resultado: melhor bilheteria da franquia desde os filmes clássicos, que em breve deve passar dos US$ 200 milhões mundialmente de arrecadação.
Existe esperança?
Reforçando que esse artigo não se trata de um debate sobre a arte ou julgamento de um produto. Afinal, o Conecta Geek é um veículo da cultura pop, amamos grandes franquias, blackbusters e clássicos. O objetivo desse texto é promover o debate saudável sobre como somos suscetíveis à velhas fórmulas e o quão podemos estar fechados para quem resolve ir fora da caixinha.
Evidentemente existem muitas obras que saem do tradicional, desafiam os limites da mídia e seus formatos. No cinema atual não faltam exemplos, mas quantos desses conseguiram furar a bolha de para um público maior?
Star Wars fez uma verdadeira revolução nos anos 1970, O Senhor dos Anéis provou que era possível adaptar a obra mais desafiadora do cinema épico e Matrix foi a porta de entrada para um novo milênio, costurando referências do passado, misturando formatos e linguagens, sem nunca deixar de pop. Será que ainda conseguimos fazer mais desses?
Mentes criativas não faltam e vamos falar sobre algumas que podem promover esse diálogo entre o pop e o substancial:
Greta Gerwing
Seu nome chegou aos holofotes pela primeira vez ao protagonizar o indie “Frances Ha” – do hoje, marido e parceiro criativo Bomba. Mas foi com seu mais recente filme, Barbie, que jovem diretora, conhecida por seus filmes de baixo orçamento, discutindo e instigando o público sobre o universo feminino, conseguiu sinterizar seu discurso e transformá-lo em algo acessível e pop. Barbie têm carisma, é original, tem musical e referências, tanto ao universo da boneca da Mattel, quanto do próprio cinema.
Unindo linguagem pop, mas também trazendo um discurso profundo a respeito do papel da mulher na sociedade, Barbie conseguiu unir a criatividade e originalidade com o popular, tanto que o filme se tornou um viral – eu sei que você também foi ao cinema vestindo rosa – e passou da casa do bilhão em bilheteria. Tudo isso, sendo praticamente uma unanimidade em crítica.
Agora, com um grande sucesso nas costas, a diretora pode ter mais liberdade criativa e grandes orçamentos para futuros trabalhos.
Denis Villenueve
O diretor canadense surgiu com filmes pequenos e densos, mas aos poucos começou a enveredar sua carreira para filmes de ficção científica. Com a adaptação de um conto em “A Chegada” e agora no comando de uma nova série cinematográfica adaptando de “Duna”, Villenueve provou, após alguns fracassos de bilheteria – embora sempre tivesse prestígio da crítica –, que consegue fazer blackbusters grandiosos, mas substanciais em discurso, além de ter a incrível habilidade de adaptar best sellers para a linguagem do cinema.
Edgar Wright
Diferente dos casos acima, Wright ainda não tem um grande sucesso de bilheteria, no entanto, ele é um dos nomes com a linguagem mais característica e diferente da sua geração. Com obras como “Scott Pilgrim: Contra o Mundo” e “Baby Driver” no currículo, o inglês sabe como poucos fazer o roteiro dialogar com a montagem, criando obras únicas e marcantes.
Por falar em não ter feito um grande sucesso de bilheteria, por pouco ele não fez parte do MCU (sigla, em inglês, de Universo Cinematográfico Marvel). Ele foi o primeiro diretor a passar pela pré-produção de Homem-Formiga – aliás, ele assina o argumento inicial do longa. O que deve ter chamado a atenção da Marvel foi uma curta cena de ação do personagem-título que Wright dirigiu. Posteriormente, o vídeo foi vazado e podemos ver que, mesmo em pouco tempo, o diretor domina filma bem, é criativo e inventivo, utilizando do cenário para compor suas cenas.
Ele acabou saindo do projeto justamente por divergências criativas. Acredito que, no dia que tiver liberdade, um bom orçamento ou comande uma grande franquia/personagem, ele pode conseguir fazer tudo que já mostrou em sua filmografia, mas em um escopo e obter sucesso global.
No fim, há sim, alguma esperança
Embora saibamos que a mediocridade sempre vencerá, novos filmes do Godzilla, Ghostbusters, Star Wars sempre vão ocupar mais salas que obras criativas e originais, nos ancoramos nos teimosos, e, por sorte, sempre vão existir, seja no cinema ou em qualquer outra forma de arte.
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