Review | Enigma do medo: terror, investigação e nostalgia

Há quatro anos, Rafael Lange, mais conhecido como Cellbit, iniciou um projeto que nasceu de um apoio coletivo e culminou no lançamento de Enigma do Medo, um jogo brasileiro de investigação baseado em sua campanha de RPG de mesa. A narrativa segue a agente Mia e seu fiel cãozinho Lupi, que partem em busca do pai desaparecido na misteriosa Mansão Strach. Inspirado em clássicos do terror, o jogo combina elementos de investigação, puzzles e uma estética que mistura pixel art 2D e cenários 3D, conferindo-lhe uma identidade visual quase única. Contudo, alguns aspectos acabam comprometendo a experiência.

Mistérios e segredos

Enigma do medo começa com uma história cheia de mistério. Inicialmente o jogador é introduzido a Mansão Strach, um lugar cercado por desaparecimentos estranhos e fenômenos sobrenaturais. Isso logo chama a atenção da Ordo Realitas, uma organização especializada em investigar o paranormal. Eles enviam um grupo de agentes pra dar uma olhada, mas as coisas dão errado: todo mundo desaparece sem deixar pistas.

A situação fica ainda mais tensa quando o próprio chefe da Ordo Realitas, Sr. Veríssimo, resolve investigar e acaba desaparecendo também. Além de ser o líder da organização, ele é o pai de Mia, a protagonista da história.

Agora, com o desaparecimento do pai, Mia com sua própria equipe decide investigar juntamente de Lupi, seu fiel parceiro canino, Samuel (um hacker) e Ágatha (uma ocultista).

Ferramentas e mecânicas

Como jogo de investigação, Enigma do Medo oferece mecânicas interessantes que enriquecem a experiência e ajudam na imersão do jogador. Mia, conta com uma série de ferramentas que facilitam a exploração e resolução de quebra-cabeças, como uma lanterna UV que revela detalhes escondidos em documentos e no ambiente, um rádio que permite a comunicação com Samuel e Ágatha, armas que incluem um pé de cabra para combate corpo a corpo e uma pistola clássica para autodefesa, e Lupi, o cão, que usa seu faro para localizar passagens ocultas e identificar pistas que Mia não consegue “ver”.

No decorrer do jogo, essas ferramentas podem serão aprimoradas ou adaptadas conforme os locais explorados e os segredos descobertos. Essa variedade de recursos é o alicerce da experiência investigativa, que incentiva o jogador a conectar pistas, resolver enigmas e desvendar mistérios. Até aqui, o nome “Enigma” faz jus à proposta do jogo. No entanto, há um desequilíbrio entre os elementos centrais: os quebra-cabeças são satisfatórios, mas o terror, que deveria ser parte essencial, acaba ficando em segundo plano. Os momentos assustadores são escassos e, em alguns casos, até cômicos, deixando o “Medo” restrito ao título.

Um dos aspectos mais problemáticos do jogo é o combate, que acaba se tornando o calcanhar de Aquiles da experiência. Embora a investigação e a resolução de enigmas sejam os focos principais, existem momentos de combate e tentativa de stealth que são mal implementados.

Alguns dos problemas incluem a IA dos inimigos, muitas vezes inconsistente ou ineficaz, facilitando ou frustrando desnecessariamente o jogador; o stealth, onde esgueirar-se por trás dos inimigos é geralmente a opção menos problemática, mas não bem desenvolvido; o uso da pistola, cujo sistema de mira requer travamento nos inimigos, mas às vezes os tiros falham sem motivo aparente; e o combate corpo a corpo, que é frustrante devido ao alcance extremamente curto, tornando sua execução pouco confiável e, muitas vezes, ineficaz. Esses problemas técnicos tornam o combate desajeitado e desconexo, prejudicando a fluidez do jogo. A sensação de tensão é substituída por frustração, o que impacta negativamente na experiência geral.

Performance de dar medo

Desenvolvido pela Dumativa, estúdio também responsável por “A Lenda do Herói” e “Shieldmaiden”, Enigma do Medo marca a transição do estúdio para o uso de cenários 3D. O resultado é uma combinação encantadora de modelos low poly, que nos remete aos JRPGs com pixel art 2D que jogávamos no PlayStation 1. No entanto, o jogo sofreu com problemas graves de performance no lançamento. Mesmo em uma configuração modesta (RTX 2060, i5-12400, 32GB de RAM), atingir 30 quadros por segundo era desafiador.

Apesar disso, a Dumativa respondeu rapidamente com atualizações focadas em otimização e opções gráficas adicionais. Embora o desempenho tenha melhorado, os problemas no lançamento são um ponto de decepção, especialmente considerando os adiamentos do projeto.

Trilha Sonora e dublagem localizada

Um dos grandes trunfos do jogo é sua localização. A trilha sonora, os efeitos sonoros e as dublagens são impecáveis. Enigma do Medo conta com grandes nomes do cenário de dublagem, incluindo Pamella Rodrigues, Wendel Bezerra e Guilherme Briggs. A dublagem em português é um destaque absoluto, contribuindo para a imersão e elevando a qualidade geral da experiência.

Uma experiência que vale a pena

Mesmo com alguns problemas, Enigma do Medo se destaca como um ótimo jogo, especialmente considerando que é uma produção 100% nacional e localizada — algo que merece ser sempre valorizado.

A história é, sem dúvida, um dos grandes pontos fortes. Ela consegue despertar uma montanha-russa de sentimentos, principalmente na reta final, que combina emoção e reflexões profundas. No fim, mesmo após uma jornada sofrida, tudo valeu a pena.

A Dumativa mostrou que sabe como entregar um jogo de diferente escopo com Enigma do Medo. Eles provaram sua capacidade para o público, deixando uma porta aberta para especulações: será que veremos mais desse universo em projetos futuros? Ou talvez novas aventuras? Seja qual for o caminho, o futuro da empresa parece muito promissor.

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