Maxine retornou e, com ela, o peso de seu passado. Aqui, esse passado é frio e materializado, como um fantasma vivo que insiste em fazer com que a culpa recaia sobre a protagonista que, talvez, nunca tenha experimentado esse sentimento. O 3º filme da franquia é, nesse e noutros sentidos, um dos melhores que tive o prazer de assistir.
Em uma falha crítica do maior atributo de qualquer cristão, a culpa, Maxine demonstrou manter sua maior qualidade no novo filme: a teimosia egoísta e quase narcísica. E é claro que isso agradou aos fãs. Mas vamos por partes (e sim, tem spoiler!):
O filme entregou o prometido: é, realmente, os anos 80
O primeiro filme da franquia, “X – A Marca da Morte”, se passava nos anos 70. O filme realmente entregou a estética e cultura da época e acertou na “paródia” dos filmes trash da década. Aqui, não é muito diferente. MaXXXine entrega uma ambientação “oitentista”: os neons acompanham os personagens em todos os cantos, bem como a trilha sonora eletrônica e futurista, bem característica da época.
Uma das cenas que melhor entregam isso é a morte do melhor amigo da protagonista, Leon (Moses Sumney), que é esfaqueado em sua locadora pelo vilão – até então desconhecido. A cena busca reproduzir os assassinatos dos filmes de terror antigos, em que há cortes com o close no rosto da vítima gritando, seguido de um outro close na faca, indo para cima e para baixo. Tudo isso com uma trilha sonora digna dos anos 80.
Além disso, outra cena memorável é a fuga de Maxine do detetive particular na balada. Há muitos flashes que deixam toda a situação muito mais emocionante e caótica. Os acontecimentos seguintes, com a morte do detetive, demonstram a frieza de Maxine e seu desejo por acabar com a situação, eliminando qualquer obstáculo de sua vida sem exigir muitas respostas para tudo o que está acontecendo.
E as referências?
Também há uma viagem no tempo dentro dos estúdios de Hollywood. Conhecemos o cenário de Psicose, Bates Motel, onde Maxine observa a cada e logo se lembra de Pearl, num constante pesado de volta ao passado que insiste em a acompanhar (mas nunca a faz parar ou desistis).
Outra referência presente é a do Night Stalker, assassino em série dos anos 80, que parece ter sido inserido no filme em uma tentativa de nos fazer pensar que, de repente, ele seria o vilão por traz das fitas e ameaças à Maxine. São boas referências, mas acredito que poucas pessoas tenham chegado a pensar que o assassino em série estava atrás dela. De qualquer forma, criou um clima de mistério.
Mergulhando na personagem: a Mia é a estrela
Apesar do novo filme trazer atores e celebridades conhecidas, como o Giancarlo Esposito, Halsey e Lily Collins, o foco ainda é na Mia Goth – ou Maxine. Em comparação com os outros filmes da franquia, é possível dizer que MaXXXine deu mais tempo de tela para outros personagens, mas a verdadeira estrela continuou sendo Mia.
De qualquer modo, não se se poderia ser diferente: Mia realmente mergulha na personagem, sendo difícil conceber outra pessoa em seu lugar. Assim como sua personagem, Mia parece ter certeza que não há outra que poderia dar vida à personagem.
Uma diferença entre esses e os outros filmes, porém, é que a personagem parece assumir uma “persona” femme fatale, fugindo um pouco daquela característica de “mulher maluca e desequilibrada” que muitos viram em “Pearl”. Diferente da coitada da fazenda, Maxine não é tão impulsiva. Ela não cede fácil. E toda situação conflitante pode ser revertida para que ela seja favorecida.
Isso não é negativo. Na verdade, diante de todos os acontecimentos, é satisfatório ver uma Maxine ambiciosa e com sangue nos olhos, vivendo o sonho que Pearl jamais pôde realizar. Ela assume toda a sua arrogância e é mais egoísta do que nunca: mesmo diante da morte de suas colegas de trabalho, ela parece não se importar o suficiente com o fato trágico. Seu maior momento de vulnerabilidade foi com a morte do melhor amigo que, mesmo assim, não foi o suficiente para ela vivenciar o luto. Destruir o obstáculo que dificulta a sua ascensão é mais importante.
Ninguém fica famoso com terror
O longa também trouxe uma crença interessante: filme de terror não forma estrelas. Essa é uma das críticas de MaXXXine, que além de escancarar o preconceito sofrido com (ex) atrizes pornô, também escancara a dificuldade de atores do terror ascenderem na carreira. Geralmente, muitos deles fazem uma franquia e são esquecidos rapidamente.
Isso porque o terror também costumava ser um gênero desvalorizado e cheio de estigmas, principalmente no século passado. Maxine surge para provar que ex estrelas pornô e atrizes de terror podem ocupar um lugar de destaque – e se aproveita de sua vida pessoal para isso.
Atualmente, esse estigma tem diminuído muito. Não por acaso, Mia Goth é uma grande atriz do gênero, bem como Lupita Nyong’o – estrela de “Um Lugar Silencioso: Dia Um”, leia nossa crítica.
Quem é o vilão?
Outra crítica que o filme traz é sobre o moralismo cristão que, claro, influenciou (e continua influenciando) o estigma sobre os filmes de terror. Desde o início do filme, vemos um grupo de militantes cristãos que protestam contra o filme de terror “A Puritana 2” e também contra o fato de que uma ex-atriz pornô vai estrelar o longa.
No final do filme, o vilão é revelado: o pai de MaXXXine, um líder religioso que cria todo um cenário de terror para acabar com os filmes de terror e pornográficos…
Durante todo o filme, esse vilão é misterioso e silencioso. Quando revelado, ele demonstra ser muito tagarela. Pode ser uma forma do filme mascarar quem ele era, visto que líderes religiosos têm um jeito bem próprio de falar. Contudo, o filme parece pesar um pouco a mão na seita religiosa que criou: devemos acreditar que alguém realmente seria maluco o suficiente para tomar todas as atitudes que ele tomou e ainda ser religioso. É uma crítica exagerada.
Ainda assim, não faltam exemplos de seitas reais que cometeram crimes hediondos em nome de algo maior. Entretanto, no universo do filme, houve uma pequena quebra da verossimilhança (talves por não termos conhecido o pai de Maxine o suficiente, talvez por tudo ter sido muito “rápido”…) e tudo o que nos resta é comprar a história – no final, vale a pena e todo o drama e gore nos recompensam pelo esforço.
Maxine é o que Mima Kirigoe poderia ser
Em Perfect Blue, filme dirigido por Satoshi Kon, além do stalker obcecado por Mima Kirigoe, uma idol em transição para a carreira de atriz, há ainda Rumi, a assessora de Mima. Rumi se preocupa com o futuro de Mima como atriz, visto que ela perderá a imagem inocente e pura de quando era idol. Por essa razão, ela muitas vezes se confunde com Mima, assumindo o papel de idol da assessorada a fim de manter essa pureza da “verdadeira Mima”, tentando matar Kirigoe.
Em Maxine, é possível atribuir o papel do stalker ao detetive que persegue Maxine, enquanto o pai dela assume Rumi em toda a sua obsessão pela inocência e pureza, recordando a antiga Maxine e usando da violência para conquistar essa pureza perdida.
Contudo, enquanto Mima é uma pessoa muito assustada e confusa, Maxine é ousada e tem iniciativa. Isso não significa que Mima seja pior, mas que Maxine é egoísta e ambiciosa o suficiente para não se deixar vulnerabilizar pela situação. De alguma forma, ela também é uma vilã (pelo menos, não é uma “mocinha”). Ela é uma pessoa fria o suficiente para estourar a cabeça do próprio pai mesmo quando se encontra em segurança. É tudo pela fama.
Ela é perseguida pela culpa cristã materializada no pai e, ainda assim, continua perseguindo sua ambição acima de qualquer coisa. E é isso que a torna uma protagonista inesquecível.
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