Filme Aqui chega aos cinemas no dia 16 de janeiro
Filme Aqui chega aos cinemas no dia 16 de janeiro

Crítica | Em ‘Aqui’ o tempo faz morada e a viagem não é longa

Há 30 anos, a produção de Forrest Gump ousou ao utilizar CGI para que, hoje, a tecnologia ocupasse um lugar majestoso no cinema. Reunir novamente o diretor cinematográfico Robert Zemeckis, os atores Tom Hanks e Robin Wright – que viveu Jenny, parceira romântica de Forrest Gump – assim como o roteirista Eric Roth e a fotografia de Don Burgess é um bom atrativo para o filme Aqui, que estreia nesta quinta-feira (16).

Enredo

Simples e complexo, o filme adapta a história em quadrinhos de mesmo nome, publicada pelo norte-americano Richard McGuire, em 2014. A trama narra a história dos Estados Unidos (EUA) por meio do cotidiano de habitantes de Pittsburgh em frente a uma casa colonial que pertenceu a William Franklin, filho de Benjamin Franklin, um dos Pais Fundadores dos EUA. Assim, observamos a criação do mundo até o presente por meio de um plano fixo. Isso inclui a ascensão e declínio dos indígenas originais ao desenvolvimento acelerado dos séculos XX e XXI.

Em Aqui, a casa construída em 1990 é personificada. “Somos” uma câmera fixa, anexa à sala de estar, onde os episódios acontecem de forma não-linear. Algo que busca sair do previsível e do tédio, mas que, ainda sim, causa más avaliações para aqueles que cultivavam o imaginário dinâmico e aventuresco sobre a máquina do tempo. Não pense no filme errado: não estamos em De Volta Para o Futuro, de 1985, do Zemeckis. Aqui você simplesmente senta e assiste a vida passar sob os seus olhos, que, aliás, não se movem a nenhum milímetro.

Então, você acompanha a história de quatro famílias; uma em especial, que viveu há bastante tempo na casa. Diga-se de passagem, que me interessei pelos eventos que acometem esta família como capítulo de novela. Ao passar do tempo, precisamente por décadas, observamos a mudança cultural por meio dos itens decorativos, das vestimentas e do entretenimento.

A casa “vive” a tristeza de seus moradores, os aniversários, o luto, a ausência e o preenchimento. Aliás, pelo trailer, a promoção da história e da linguagem cinematográfica usada já é um convite e tanto para assistir. As expectativas não superam o que foi divulgado sobre o filme até então, o que é absolutamente aceitável.

Em 2025, é possível viajar no tempo?

Bom, este tema me anima. Sabemos que vivemos em um espaço quadridimensional. Ou seja, o espaço tridimensional (largura, altura e profundidade) e o tempo. Esta quarta dimensão, que forma o espaço-tempo tetradimensional, é consequência de um dos postulados da Relatividade Especial de Albert Einstein. Mas há ferramentas que resistam à viagem? Bom, que tal uma lente, um plano e um espaço? E então, o ponto de partida para ideias ambiciosas fazem do cinema uma simples sala de estar? Pois então: “Aqui”, falamos de comodismo.

Em segundos, a História é vista, sentida e incompreendida de novos horizontes e de diferentes perspectivas para o espectador. Tudo pelo conforto. Apenas uma lente fixa e o voyeurismo em observar seus personagens por séculos durante 1 hora e 44 minutos. E assim, os lugares ambientam épocas e nos contam sobre elas. Aqui vivemos com os dinossauros e na inércia da Era do Gelo; logo, os anos dourados, os causos de guerras, até as máscaras pandêmicas. Uma atualidade que nos explica mais sobre o passado do que a tentativa de viver nele.

O uso da Inteligência Artificial na obra é polêmico e discutível. Isso porque o filme usa uma nova tecnologia de IA generativa chamada Metaphysic Live para trocar rostos e rejuvenescer os atores em tempo real enquanto eles atuam, ao invés de usar métodos adicionais de processamento de pós-produção. O método que pressupõe “revolucionar Hollywood com o uso de IA para o entretenimento”, também foi usado em “Furiosa: Uma Saga Mad Max”, 2024, de George Miller, e “Alien: Rômulo”, 2024, de Fede Álvarez, e peca pelo visual artificial em Aqui.

Acompanhamos os eventos que acometem a família principal da narrativa por décadas. A história linear é cativante pelo curso da narrativa. Mas se observamos, detalhadamente, o uso da técnica nas mudanças físicas dos atores, há estranheza. Embora eu seja entusiasta da tecnologia usada no filme O Expresso Polar, 2004, que conta com Robert Zemeckis e Tom Hanks na produção, não é difícil notar o descompasso nos áudios e na expressão dos atores com a IA. De todo modo, as ferramentas tecnológicas existem e devem ser usadas na arte.

A sensibilidade tecnológica

Unir a sensibilidade humana aos recursos tecnológicos petrifica algo inerente a nós, mas também cria uma extensão humana. A arte se reinventa. Imprimi-la sob novas perspectivas e meios não suspende a autonomia e o toque humano de apreciá-la. A exemplo, o compositor norte-americano Alan Silvestri assenta a emoção por meio da trilha sonora da obra. Por que não se emocionar? Embora a atmosfera criada por meio da tecnologia atribui certa superficialidade, há uma poesia e uma moral que nos acompanha durante a trama. O cotidiano é trivial, mas comum a todos nós.

A profundidade, por vezes, encontra-se no banal, no cômodo, nas histórias ali e aqui vividas. O propósito da história é inspirador e a decisão de torná-la um filme complementa a causa. Em um cenário em que blockbusters parecem ser ocupados pelos filmes de heróis das histórias em quadrinhos, um novo olhar sobre as HQs pode soar como uma ideia deslocada. Isso porque as transições da obra por meio de recortes em alusão ao impresso é uma referência quase que despercebida para àquele que não conhece a obra de Maguire.

Reflexões

De todo modo, assistir a uma obra que apresenta novas propostas e que se torna alvo de discussões é um respiro necessário. Há uma segunda camada reflexiva, mas sobretudo, tangível. É uma nova maneira de contar histórias sem se abster dos riscos e do receio de criar algo novo pelo que está em nossas mãos.

Aliás, ao final, devemos nos emocionar, nos deslumbrar ou nos sentir frustrados com tamanho experimentalismo? As reações diminutas não provam o contrário. São bem enfáticas no estilo “8 ou 80”. Ao meu ver, Aqui é um filme interessante e curioso, tanto pela linguagem cinematográfica usada quanto pela narrativa. Não se encaixa a um clássico pelo caráter “novo”; “originalidade” costumeira e, diante da variedade, esquecível. Esta é, então, a liquidez da vida por meio da arte superficial, que esvai-se sobre o mesmo modo das relações humanas “Aqui” representadas.

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Jornalista, Repórter de Cultura Pop e Crítica de Cinema | contatoliviasc@gmail.com