A Favorita do Rei, de Maïwenn, é um filme que caminha com uma perna na tradição do cinema de época e outra na tentação da opulência estética. Com o Festival de Cannes como palco de sua estreia, a obra prometeu encantar os amantes do cinema de herança francesa, mas logo revela-se um exemplo claro de como o deslumbramento visual pode, muitas vezes, obscurecer a substância de uma narrativa – e o filme de Maïwenn sequer foi lembrado após o festival.
O Poder da Produção Visual
A produção visual é, sem dúvida, o grande trunfo de A Favorita do Rei. Maïwenn, que também dirige e interpreta a protagonista, conhece o poder das imagens e sabe como usá-las. O design de produção é grandioso, e as locações, como o magnífico Palácio de Versalhes, tornam-se personagens à parte, quase mais vivos que seus próprios habitantes.
Cada cena exala uma grandiosidade barroca, com figurinos exuberantes, penteados extravagantes e uma maquiagem que impressiona. A direção de arte parece orquestrar uma dança luxuosa com a fotografia, como se a tela fosse um grande palco onde cada elemento visual é uma peça de um tabuleiro barroco. As locações, impecavelmente escolhidas, em palácios como Versalhes, são verdadeiras esculturas de opulência, com detalhes minuciosos que nos transportam diretamente para o século XVIII.
O figurino é um espetáculo à parte: cada vestido e penteado parece contar uma história de riqueza e status, desenhando figuras quase mitológicas. No entanto, essa busca incessante pelo glamour visual, tão exuberante quanto uma pintura renascentista, acaba ofuscando a trama e seus personagens, como se o filme estivesse mais interessado em exibir a grandiosidade do seu cenário do que em dar substância à narrativa.
A fotografia como pintura
A fotografia do longa também se encaixa nesse jogo de encantamento visual, capturando a luz e as sombras com a delicadeza de um pincel de mestre. No entanto, por mais belos que sejam os quadros, há momentos em que o excesso de ornamentação e o foco na perfeição estética causam uma sensação de distanciamento emocional.
O filme, então, se vê preso em uma encruzilhada entre a beleza superficial e a profundidade dramática. É como se cada cena fosse uma tapeçaria meticulosamente bordada, mas, ao se aproximar, a trama perde sua textura e se revela vazia. E aqui entra o dilema: por mais que os detalhes visuais encantem, falta ao filme aquele toque de vida e humanidade que transforma um espetáculo em uma experiência imersiva e tocante.
Falha na Conexão Emocional
Na trama, Jeanne Bécu, uma mulher comum que ascende ao trono da corte francesa ao conquistar o coração de Luís XV. A premissa poderia ter se transformado em um drama histórico rico e multifacetado. No entanto, a execução da história acaba sendo frágil e fragmentada, arrastando-se em um ritmo monótono, como se estivéssemos apenas observando uma série de acontecimentos que não geram conexão emocional.
A ausência de uma narrativa coesa, somada aos saltos temporais abruptos, cria uma sensação de descontinuidade que compromete o envolvimento do público. A narração em off, que deveria dar contexto à história, mais atrapalha do que ajuda, oferecendo explicações desnecessárias para um enredo que já se perde em sua própria falta de foco.
Falta de empatia
Os personagens, principais e secundários, falham em gerar empatia. Jeanne e Luís XV, interpretados por Maïwenn e Johnny Depp, respectivamente, deveriam ser o coração do filme, mas são retratados de maneira quase distante, como figuras intocáveis em um palácio dourado.
A diretora opta por mostrar Jeanne como uma mulher ousada e rebelde, mas sua interpretação exagerada, cheia de gestos teatrais e caretas, a transforma em um personagem unidimensional, sem a complexidade que uma figura histórica como ela merecia. Depp, por sua vez, retrata Luís XV com uma frieza que beira o desinteresse, deixando a relação entre os dois personagens sem qualquer tipo de química ou profundidade.
Potencial não explorado
É interessante notar, no entanto, que, apesar de todos esses problemas, o filme consegue, em raros momentos, encontrar um fôlego. Quando Maïwenn se distancia um pouco da rigidez de sua narrativa e brinca com o absurdo da corte, o filme ganha uma leveza inesperada.
Uma cena que satiriza a rotina matinal de Luís XV, com Depp impassível e irônico, oferece um alívio cômico genuíno e revela um talento de Maïwenn para o humor que, infelizmente, não é plenamente explorado ao longo da obra.
O filme também falha em seus momentos emocionais, como na entrega do “presente” de Luís XV a Jeanne, que perde seu impacto por conta da fragilidade da narrativa. A falta de envolvimento verdadeiro com os sentimentos dos personagens torna essas cenas apenas gestos vazios, que não ressoam no espectador. O glamour de A Favorita do Rei é inegável, mas sua falta de profundidade transforma o luxo em um cenário bonito, mas sem alma.
Enquanto os figurinos e os palácios pedem personagens com peso emocional, Depp oferece uma versão fria e sem vida de Luís XV, como se estivesse desempenhando uma pintura, sem nem ao menos se preocupar em dar uma pincelada de humanidade ao seu personagem.
A falta de química entre ele e Maïwenn, reforça essa sensação de que, em vez de uma relação de poder e paixão, o que vemos é uma distante sombra de ambos, que mais se observam do que se tocam. A grande falha técnica aqui é que, no final, a grandiosidade da corte se esvai e o espectador fica com um desfile de máscaras, mas sem o drama que realmente poderia ter sido vivido sob as luzes de Versalhes.
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