Crítica | Biônicos é uma síntese da carreira de Afonso Poyart

Antes mesmo que começar a falar sobre Biônicos, acredito que, enquanto crítico, devo apontar desde o início que não sou um grande fã do trabalho do Afonso Poyart (“2 Coelhos”), mas evidentemente reconheço seus méritos e torço para seu sucesso internacional. Em seu novo longa-metragem, que é uma produção original da Netflix, infelizmente, notei que essa história e sua construção cinematográfica, parece ser um emaranhado com todos os maneirismos – para o bem e para o mau – da carreira de Poyart.

Biônicos

Crítica | Biônicos é uma síntese da carreira de Afonso Poyart
Em Biônicos, paratletas se tornam astros (Foto: Divulgação/Netflix Brasil)

Biônicos se passa num futuro onde as próteses robóticas transformaram o esporte em um espetáculo hiper tecnológico. Neste contexto, as paraolimpíadas ultrapassou as olimpíadas tradicionais em popularidade devido a essa mudança de paradigma, em que os paratletas se tornaram grandes astros mundiais. Biônicos é uma continuação direta do curta-metragem “Protesys”, estrelado por Cauã Reymond (“A Viagem de Pedro”) e pelo atleta paralímpico Flávio Reitz, que mistura narrativa de documentário com ficção. Assista aqui.

Neste cenário somos apresentados a Gabi (Gabz) e Maria (Jessica Córes), duas irmãs talentosas, que dominam o salto em distância. No entanto, a competição entre irmãos degenera em uma rivalidade acirrada que ameaça não apenas o relacionamento delas, mas também a segurança de ambas. Heitor (Bruno Gagliasso), o mentor das irmãs, e Gustavo (Christian Malheiros), um amigo próximo, se veem envolvidos nesta luta, que levanta questões sobre a ética esportiva, a humanidade diante da tecnologia e a própria natureza da competição.

(Foto: Divulgação/Netflix Brasil)

O truqueiro Afonso Poyart

Confesso que fiquei muito animado com a premissa, existe muita substância e um leque interessante de temas a ser debatido nessa curta sinopse. Visualmente é impressionante, uma marca dos trabalhos de Poyart, no entanto, nenhum dos temas pontuados são, de fato, desenvolvidos o suficiente para levantar algum tipo de reflexão.

Fortemente inspirado na linguagem hollywoodiana, desde 2 Coelhos, Poyart, que vem do ramo da publicidade, usa de artifícios comuns de alguns de blockbusters estadunidenses e de sua própria vivência enquanto publicitário, na construção da estética e linguagem cinematográfica. Ou seja, ele cria um bom argumento, tenta desenvolver algo no meio e quer surpreender o público no final.

Seus filmes são marcados por bons efeitos visuais – méritos do estúdio Picma Post – e jogos de câmera estilizados. Biônicos é ambicioso, mas quanto maior o salto, mais perigosa é sua queda.

É muito mais fácil identificar esse filme como um produto genérico dos Estados Unidos (EUA) do que como brasileiro – e não falo isso só pele estética, mas principalmente por questões como estrutura, abordagem e problemática que são apresentados quase como uma releitura de “Gigantes de Aço”, com uma proposta visual de “Blade Runner”, com uma paleta azulada e escurecida com muitos pontos em neon.

Sua montagem, movimentos de câmeras, as mise en scènes, com direito alguns takes bonitos em câmera lenta. Mas diante de seu material base do bom elenco. Tudo isso são só truques a esmo.

Crítica | Biônicos é uma síntese da carreira de Afonso Poyart
(Foto: Divulgação/Netflix Brasil)

A discussão para além do filme

Dito tudo isso, termos pessoas como Poyart são fundamentais dentro do nosso cenário audiovisual. Afinal, é evidente que existe uma grande “síndrome de vira-lata” na grande massa quando o assunto é cinema nacional. Esse complexo de inferioridade é um mal que só sobrevive por causa da ignorância, pelo desconhecimento da qualidade dos nossos filmes e por um preconceito insistente de que a gente só sabe fazer comédia e “filme de favela”. Ocorre que é um hábito brasileiro pagar pau para produções hollywoodianas, como se o nosso cinema fosse um filho bastardo achado no lixo – e o grande público vê a maioria dos filmes feitos aqui como algo limitado e pouco inspirado.

Mesmo tendo meus problemas com 2 Coelhos, tenho total noção que esse filme mudou o paradigma do cinema nacional lá em 2012. Sua linguagem ser mais próxima de filmes dos EUA fez com que algumas pessoas dessem mais chances para nosso cinema, mesmo que, pessoalmente, não acho que essa é a melhor maneira de consumir arte.

Falando em cinema nacional e seu consumo, vale a reflexão com nosso artigo: Os edits estão ressuscitando o Cinema Nacional e trazendo reconhecimento para além do mainstream

Há, sim, alguma substância

Biônicos pode ter suas falhas, mas nem tudo é ruim. Ele se destaca pela abordagem única da ficção científica esportiva, gênero pouco explorado que questiona o impacto da tecnologia nas capacidades humanas e os limites éticos de seu uso no esporte. A dinâmica entre os personagens enriquece a narrativa, acrescentando uma dimensão pessoal e emocional ao aspecto espetacular das competições esportivas futurísticas. Embora todos esses pontos não tenham sido realmente preenchidos, não podemos ignorar o poder de argumento da obra de Poyart.

Outro detalhe importante da produção, que não deixa de ser um recado crítico ao país é o fato do longa usar como cenário para o treino dos atletas estádios superfaturados construídos para a Copa do Mundo de 2014, que hoje estão abandonados, se tornando perfeitos para um cenário pós apocalíptico futurista.

Agora, voltando a falar de elenco, Jessica Córes é o grande destaque. Toda a falta de substância do texto é superado pelo poder interpretativo da atriz no papel de Maria. Tanto antes, como depois da transformação em biônica, ela segue sendo o único elemento que reluz no longa. O mesmo não se pode dizer de Gabz, a atriz e rapper sofreu com um roteiro raso. Bruno Gagliasso como Heitor é uma figura intrigante e é certamente o personagem que mais faz falta ter pouco tempo de tela.

Crítica | Biônicos é uma síntese da carreira de Afonso Poyart
Jessica Córes e Gabz em cena de Biônicos (Foto: Divulgação/Netflix Brasil)

Vale um salto, mas cuidado com a altura

Biônicos reúne todos as principais características de seu realizador e esse é um salto arriscado. É uma obra ambiciosa e conta com boas atuações, mas falha na falta da discussão ética e até mesmo como um filme de esporte. Mas sem dúvidas, merece ser assistido.

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