Jardim dos Desejos cumpre em contar metáforas sobre os EUA, violência e racismo velado, mas peca em seu ritmo e oportunidades desperdiçadas

Crítica | Jardim dos Desejos retrata um EUA contemporâneo

Ao ir no cinema ver Jardim dos Desejos, de Paul Schrader (“Taxi Driver”), eu pouco sabia da história além do que estava na sinopse. Sabia que o elenco tinha nomes conhecidos na indústria, como Joe Edgerton (“Matéria Escura”), Quintessa Swindell (“Adão Negro”) e a icônica Sirgouney Weaver (“Alien – o Oitavo Passageiro”). Sabia que seria um filme que, apesar de uma história simplês, trabalharia com metáforas usando os personagens, suas relações e o jardim em questão. Sobretudo, é sobre a construção de uma sociedade e, especificamente, dos Estados Unidos.

A história conta a rotina de Narvel Roth (Edgerton), um horticulturista que cuida dos Jardins Gracewood e que pertecem a família de Norma Haverhill, uma viúva rica que promove leilões de flores e plantas do jardim. Norma pede que Narvel treine sua sobrinha neta mestiça, Maya Core, para poder herdar Gracewood caso seja da vontade dela. Enquanto Narvel e Maya se relacionam, ele passa a enfrentar questões de seu passado que ainda o assombram.

Abordando temas sobre passado histórico, racismo e perdão, o longa consegue fazer suas comparações de maneiras sútis, como o comportamento dos personagens ou descrições que Narvel faze em seu diário, dizendo como “acreditar no futuro”. A trama se passa na cidade de St. Francisville no estado da Louisiana, no sul dos Estados Unidos, onde é conhecido por ser o estado com mais pobreza no país e uma forte influência cultural afro-americana.

Cuidando de um jardim

O tema principal de Jardim dos Desejos é a violência velada que está presente em nossas vidas. Pegando como exemplo o Jardins Gracewood, um belo lugar cercado de flores, arbustos e plantas, bem cuidado por um jardineiro diligente e pertence a uma senhora simpática. É através do diálogo que podemos inferir a real natureza de cada um: por flashbacks violentos, vemos o passado sombrio de Narvel como parte de uma gangue de supremacistas brancos; Norma quer se aproximar da neta, mas por suas falas percebemos seu olhar racista e desdenho por ela. Visualmente, Roth ainda mantém traços de sua antiga vida, como usando cabelo raspado e roupas pretas. Além disso, não é difícil afirmar que a mansão Gracewood foi construída por escravizados séculos atrás.

Apesar disso, o personagem de Roth é mais complexo do que aparenta ser. Enquanto almejar por um futuro melhor do que seu passado, ele tem medo de largar sua vida anterior. Ele não é a mesma pessoa que era antes e não carrega o ódio que foi ensinado a ter por outras pessoas. Porém, tem medo de ser julgado apenas por seu passado e não pela nova vida que escolheu, a de um jardineiro. Por um lado, ele é aceito por Norma, em parte por ela mesma ser uma pessoa preconceituosa. Por outro, Maya representa um novo começo em confrontar o seu passado de uma vez por todas e ter uma vida melhor.

Jardim dos Desejos cumpre em contar metáforas sobre os EUA, violência e racismo velado, mas peca em seu ritmo e oportunidades desperdiçadas
(Foto: Divulgação/Pandora Filmes)

Dessa maneira, é possível ver um paralelo entre Narvel Roth e a situação em que os EUA estão passando. A partir da visão de Schrader, o protagonista é o país americano, capaz de criar e cuidar de coisas lindas e belas como um jardim, mas tem a responsabilidade por tragédias, crueldades e injustiças em sua história. Atualmente, é influenciado em confrontar o seu passado, seja admitindo como ruim e se livrar disso ou deixando quieto e fingir que não aconteceu. Em uma era em que debatemos se estátuas de figuras históricas devem ser mantidas ou não e tentar corrigir erros do passado para melhorar o futuro, o longa consegue nos passar a ideia de que o passado não define o futuro de alguém.

Tudo é visível

Em uma de suas falas, Roth descreve jardinagem com a mais puras das artes, dizendo que “está tudo ali”. A fala remete também a um visão semelhante de Paul Schrader ao cinema na totalidade – todos os elementos de um longa estão ali por um motivo e se alinham organizadamente para construir sua história. Por aí, vemos que detalhes de Jardim dos Desejos estão presentes, em um tom sutil, para incentivar o olhar minucioso do espectador. O clima opressor, roupas e linhas de monólogos e diálogos nos ajuda a entender situações sem precisar dizer a plateia o que está acontecendo.

Contudo, Schrader peca em criar uma narrativa engajante ou memorável na escolha por uma história lenta e não desenvolver mais em temas subjacentes aos principais: o que levou Roth a deixar sua antiga vida, uma interação maior entre Norma e sua depedência emocional com ela ou a violência que ainda existe dentro dele. Essas oportunidades em desenvolver mais o personagem poderia nos dar um protagonista mais ativo na trama e construir-lá e não ser deixar levar por ela. A meu ver, Narvel Roth poderia ter mantido seu jeito soturno e contido, mas poderia ter sido um personagem, cuja pele está marcada por ódio e violência, fosse mais proativo.

Fora isso, as ideias por trás de Jardim dos Desejos deixam um bom filme para ser analisado e comentado, mas a lentidão torna essa experiência tediosa e o desperdício de algumas oportunidades pode frustrar alguns. Ao todo, é bastante complexo, sutil e monótono.

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