Clube Zero chega aos cinemas dia 25 de abril com uma história de manipulação e busca espiritual.

O “veganismo é ultrapassado”, há uma nova forma de conscientização alimentar. Viver sem comer é o modismo dos integrantes do Clube Zero, filme escrito e dirigido pela cineasta austríaca Jessica Hausner (”Little Joe”), (2019). Na trama, a professora de uma escola de elite desafia sete alunos a romperem com o consumismo e os desperdício alimentício por meio do método Comer Consciente. Após os avisos iniciais de gatilho no longa, Srta. Novak (Mia Wasikowska) apresenta o estilo de vida rigoroso aos ouvintes. E a cada encontro, os aprendizes conhecem novos princípios, como os da monodieta e os benefícios da “autofagia”.

Logo, os ensinamentos da nutricionista lunática são aceitos como dogmas pelos jovens por meio de uma retórica disciplinadora. Culto que os guiará à libertação e ao alivio em abster-se do vômito após semanas de sobriedade alimentar. Com um humor ácido e provocativo, Clube Zero introduz temas sociopolíticos que refutam o bom senso, a exemplo do negacionismo científico, os modismos das gerações…em que neste há um chá milagroso que soluciona seus acalentos… Insinuações que credibilizam um roteiro cru. Afinal, é justo debater fatos verossímeis quando a realidade é tema de uma fabulação. Por mais dura e indigesta que seja.

Clube Zero chega aos cinemas dia 25 de abril com uma história de manipulação e busca espiritual.
Clube Zero chega aos cinemas dia 25 de abril com uma história de manipulação e busca espiritual (Foto: Divulgação/Internet)

Sinestesia visual

O esmero, por sua vez, reflete na estética visual e sonora. A trilha divaga sobre o etéreo, o gutural e o suspense – um leve surrealismo à la Pobres Criaturas. A sonoplastia, então, encarrega-se de tornar o ato de comer algo repulsivo por meio do sons incômodos dos talheres contra o prato ou da mastigação dos personagens. Uma experiência imersiva que revela seu lado perturbador em camadas ingênuas, mas profundas. E por mais bizarro que soe, há ainda espaço para a diversão.

A êxtase, por vezes, é cômica. Os risos na sala de cinema aliviam o hesito para o entusiasmo quando Novak imerge cada vez mais na mente de seus pupilos. Ben (Samuel DeClan Anderson) é passivamente agrupado aos demais pela culpa e intimidação do “por que você come?”. Comer Consciente é eficaz se está irreflexo de sua condição sobrevida por um objetivo. Isso porque os alunos têm fins distintos, mas se unificam quando comer com consciência em pró do meio-ambiente, condição física ou por uma bolsa de estudos, dão lugar a sua redenção. Purificados por não se alimentarem.

Pupilos

Elsa (Ksenia Devriendt) age como uma aprendiz panóptica de Novak com os colegas e consigo mesma. A refeição que ela faz em frente dos pais – a cena mais graficamente impactante do longa – fica ainda mais indigesta após ouvirmos seu discurso robótico a partir dos ensinamentos da professora. É evidente que os princípios aprendidos devem-se à rigorosidade da liderança. Intimidadora, mas amiga; a conselheira movida a suplantar seus métodos com um tom acolhedor diante da vulnerabilidade dos jovens. Ragna (Florence Baker) é assombrada pela fome e fraqueza, um questionamento paradoxal sobre sua força mental e espiritual em resistir à comida.

Assim perpetua-se a soberania de Miss Novak nos seus tons vívidos, rosto pálido e terrosidade em seu entorno. A sua frente, o amarelo do uniforme de Elsa e Ragna floresce pela luz fria que entra no ambiente. A angular no canto superior – que, para o brasileiro, pode ser identificado como “câmera do BBB” ilustra o momento, e vários outros, como uma espécie de experimento social. A proposta se associa à estética minimalista de raros movimentos de câmera, poucos diálogos e cenários delimitados. Espaços e descolamentos comedidos em simbiose ao hábito alimentar.

Clube Zero chega aos cinemas dia 25 de abril com uma história de manipulação e busca espiritual.

Embora o diretor de fotografia Wes Anderson (”Asteroid City”), seja hábil em adaptar sua abordagem única para atender cada projeto, neste caso, o longa é espantosamente aderido ao seu estilo. A narrativa visual se destaca na mise-en-scéne. Há minuciosidade no plano detalhe em enfatizar os rituais alimentares, bem como, sensações de intimidade e estranheza. A exemplo, podemos citar a relação romântica abusiva entre Srta. Novak e Fred (“Luke Barker”); o contato paternal e filhos, e em suma, com a comida. Captar esta essência é, sobretudo, debruçar-se na estética dos alimentos e elementos para transmitir emoções. Algo que Wes concretiza com maestria.

No mais, acredito que Hausner entrega uma obra virtuosa com personagens bem delimitados, construção da atmosfera visual e sonora condizentes… Mas peca, em certo sentido, no enredo. Embora haja a evidente intenção de evitar excessos e exageros… as amarras, ao meu ver, são mais perceptíveis no fim da narrativa. Em 1h 50m, o filme trabalha o comportamento e as decisões dos jovens, mas as motivações e consequências do radicalismo, mesmo com interferência das autoridades e de seus responsáveis, são mal desenvolvidas. Tampouco, esmiúça a história e as incitações de Novak.

Compreendo que a obra não se propõe a resolver ou amenizar o escrúpulo de sua narrativa. Embora eu sinta certa necessidade, percebo que este aspecto é ornado pelo seu teor belamente afrontoso. E esse é o ponto chave! Um estímulo reflexivo à mais e um convite oportuno a adentrar cada vez mais na indiscrição de Clube Zero.

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