Emmanuel Mouret tem uma maneira peculiar de olhar para o amor – não com a intensidade dramática de uma paixão arrebatadora, mas com a suavidade de quem observa o movimento fugaz de uma flor que desabrocha e logo se fecha. Seu cinema é como um retrato de um instante precioso, e não de um longo enredo. Em Crônica de Uma Relação Passageira, ele nos convida a acompanhar o pequeno universo de um caso extraconjugal com a leveza de quem sabe que, antes mesmo de se iniciar, esse romance está condenado ao efêmero. É um filme que não precisa de grandes gestos ou reviravoltas. Ao invés disso, ele se desenvolve nas nuances – nos olhares, nas hesitações e, principalmente, naquilo que não é dito. O que interessa ali não é o futuro dos personagens, mas o que está sendo vivido naquele momento, com a consciência de que, assim como a estação que o filme nos apresenta, a relação está prestes a desaparecer.
No longa, tudo é uma metáfora do que está por vir e, ao mesmo tempo, do que está prestes a desaparecer. Charlotte (Sandrine Kiberlain), é a mulher que, ao mesmo tempo em que carrega a leveza e a liberdade de um espírito indomável, se revela também uma cicatriz ambulante, marcada por um passado de escolhas que a definiram. E ao seu lado, Simon (Vincent Macaigne), representa o homem casado, um espectro de angústia que se move entre a fragilidade e o desejo. Ele está ali, hesitante, como um personagem perdido entre a realidade e a fantasia, arrastando-se com as palavras que são mais silêncio do que som.
E essa é a magia de Mouret. Em Crônica de Uma Relação Passageira, nada é dito com clareza. As palavras, como se quisessem se despir da banalidade do cotidiano, tomam forma e vão se desfazendo, como areia entre os dedos. O que há entre Simon e Charlotte é o tipo de amor que se desenha na transitoriedade, no efêmero, no toque fugaz. A história de um casal que se reconhece e se perde, como o fim de uma estação que anuncia a chegada de outra, mas sem jamais poder se ver plenamente.
A geografia do filme se desenha como um grande campo de flores e concreto. As cenas em Paris, iluminadas pela suavidade da primavera, representam o amor que se desenrola ali. A cidade, com suas cores douradas e azuis, com seus bares silenciosos, seus parques públicos e suas igrejas rurais, torna-se uma verdadeira paisagem emocional onde o amor se desenha como uma linha tênue entre o certo e o errado, o permitido e o proibido.
Mouret utiliza a fotografia como um pincel para pintar esse espaço de sentimentos e indagações. A luz dourada que banha os rostos de Charlotte e Simon, como uma extensão do brilho da cidade, fala sobre o que há de precioso no amor, mas também sobre o que é efêmero. A primavera, que parece eterna no brilho do filme, também é passageira. O amor de Charlotte e Simon, embora vivo e vibrante, é uma estação que logo se despede.
O ritmo do filme também segue essa cadência sutil de mudança. As cenas acontecem em um jogo de elipses, como se Mouret estivesse tentando capturar o que está além das palavras e dos gestos. É como se a câmera fosse uma testemunha silenciosa, observando os detalhes minuciosos do relacionamento deles: o jeito como Simon hesita antes de tocar a mão de Charlotte, o olhar furtivo dela, como se a qualquer momento ela pudesse desaparecer. O que não é dito entre eles é talvez o que mais diz sobre o que os une. E é ali, nas brechas da comunicação, que reside a alma do filme.
Se você chegou até aqui e pensou na “Trilogia do Antes” de Richard Linklater, fez o caminho certo. Mouret, refaz à sua maneira, à francesa a abordagem que conhecemos da perspectiva de um casal nascido pela visão de estadunidenses. E, claro, há a ironia sutil de Mouret. O próprio título, “Crônica de uma Relação Passageira”, já nos diz tudo o que precisamos saber. O que vemos no filme não é o fim de um amor, mas seu meio, seu começo, o primeiro toque antes de tudo desvanecer. A relação deles é construída com a consciência de que nada ali vai durar. E é essa consciência que torna os momentos ainda mais preciosos, como as folhas caindo durante o outono, ou o vento suave que anuncia a chegada do inverno.
O filme é uma coleção de pequenos momentos de intimidade, gestos discretos, olhares furtivos, que, juntos, compõem a memória do que jamais poderia durar. Como no último plano do filme, a câmera recua, e nos vemos distantes de Charlotte e Simon, como se estivéssemos olhando para algo que já passou, algo que agora pertence ao passado. E, assim, o ciclo se fecha: como a primavera que se vai, o amor se apaga, mas a memória, essa, sempre ficará.
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