O 7º episódio de Demolidor: Renascido deveria ser um momento de virada. Afinal, depois de seis episódios de reconstrução lenta do retorno do Demolidor, Matt Murdock (Charlie Cox) finalmente vestiu o traje vermelho novamente. Mas “Arte Pela Arte” é um capítulo que, apesar de bons momentos, deixa claro que a série ainda não encontrou o equilíbrio entre o peso dramático da era Netflix e as demandas mais convencionais do Universo Cinematográfico Marvel (MCU). O resultado é uma narrativa que oscila entre momentos de tensão genuína e escolhas frustrantes, especialmente no tratamento dado ao vilão Muso – um antagonista com potencial, mas desperdiçado.
Logo no início, o episódio estabelece suas duas linhas principais: as consequências do retorno de Matt como Demolidor e os jogos de poder de Wilson Fisk (Vincent D’Onofrio) como prefeito. Enquanto Matt lida com as suspeitas de Heather (Margarita Levieva), sua namorada e terapeuta, Fisk aproveita a reaparição do vigilante para reforçar sua retórica anti-mascarados.
A dinâmica entre Matt e Heather é um dos pontos fortes do episódio – ela não é uma simples interesse amoroso, mas alguém que enxerga através de suas mentiras. Em uma cena íntima no chuveiro, a fotografia usa tons frios e sombras que refletem o isolamento emocional do herói, enquanto Heather questiona suas cicatrizes e ausências. A atuação de Cox e Levieva carrega peso, especialmente quando ela confronta Matt sobre sua incapacidade de lidar com o luto por Foggy e sua vida anterior – não sei se é intencional, mas parece muito a relação que alguns fãs da série da Netflix têm com o antigo núcleo de cadjuvantes do Matt.

No entanto, essa profundidade não se estende a todos os personagens. Cherry (Clark Johnson), por exemplo, parece existir apenas para servir de contraponto raivoso a Matt, sem ganhar camadas que justifiquem sua presença. Enquanto isso, Fisk continua sendo a força motriz da série, com D’Onofrio entregando uma atuação que equilibra brutalidade e cálculo político. Sua fala sobre “não tolerar pessoas em trajes ridículos” é uma declaração de guerra disfarçada de discurso de ordem pública, e é fascinante vê-lo manipular a narrativa em seu benefício.
O grande problema do episódio, porém, é Muso. Desde sua introdução, o assassino serial-artista foi construído como uma ameaça sinistra, alguém que transforma sangue em arte – uma estética que lembra vilões como Carnificina ou Coringa, mas com um toque mais pretensioso (no bom sentido). No entanto, sua resolução é tão abrupta que chega a ser frustrante.
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A revelação de que ele é, na verdade, Bastian Cooper (Hunter Doohan), um paciente perturbado de Heather, poderia ser impactante, mas a série não dá tempo para que essa revelação ganhe peso. A cena da sessão de terapia é eficaz na construção de tensão, com closes apertados e um sound design que aumenta gradualmente o desconforto. Quando Bastian começa a desenhar com seu próprio sangue no rosto de Heather, há um momento genuinamente perturbador. Mas então tudo desaba.

Por outro lado, o Demolidor descobre a identidade de Muso de uma maneira que beira o ridículo: ele toca um esboço do rosto de Heather desenhado pelo vilão e magicamente reconhece que ela está em perigo. Sim, Matt tem sentidos aguçados, mas essa cena parece mais um deus ex machina do que uma investigação orgânica.
Quando ele finalmente confronta Muso, a coreografia de luta é bem interessante pela falta de consistência estética de artes marciais. O que reforça que o Muso não é lá uma ameaça física e que Matt, embebido pela raiva, se fosse a versão da Netflix, venceria muito facilmente. Apesar de um bom estranhamento desse combate, a conclusão é bastante anticlimática. Heather atira em Muso, matando-o, e a polícia chega tarde demais. E assim, um vilão que poderia ter sido explorado em múltiplos episódios é despachado em uma única aparição substancial.

Enquanto isso, Vanessa Fisk (Ayelet Zurer) tem seu próprio arco no episódio, encontrando-se com Luca (Patrick Murney), líder da Máfia Tracksuit, que sugere que ela traia Wilson para retomar o controle do império criminoso. A cena é cheia de tensão subtextual, mas sua resolução é previsível: Vanessa aparentemente concorda, mas na verdade armou uma emboscada. Luca é morto por Buck (Mike Horner), e Fisk escapa ileso. Essa subtrama poderia ter sido mais impactante se Vanessa demonstrasse conflito real. Em vez disso, ela parece mais uma peça no jogo de Fisk do que uma ameaça genuína.
No aspecto técnico, a fotografia mantém a estética sombria da série original, mas com um toque mais “limpo” – típico do MCU. As cenas noturnas têm um azul profundo, enquanto os interiores de Fisk são banhados em dourados e vermelhos, simbolizando poder e violência.
Dialogando de certa forma com seu próprio título, Arte Pela Arte é um episódio de contrastes. Ele tem momentos fortes – como a dinâmica entre Matt e Heather, ou a presença de Fisk – mas também peca em desenvolvimento de vilões e ritmo. Muso merecia mais. Sua morte prematura o torna apenas um degrau na escalada entre Demolidor e o Rei do Crime.

A série ainda não encontrou o equilíbrio perfeito entre o tom sombrio da Netflix e as demandas do MCU. Resta saber se os episódios finais conseguirão fechar esse ciclo de forma satisfatória – ou se, assim como Muso, Renascido será lembrada como uma obra que prometeu mais do que entregou. E, no final das contas, talvez essa seja a maior ironia: uma série sobre um homem dividido entre duas identidades que, ela mesma, ainda não decidiu quem quer ser.
Os episódios novos da 1ª temporada de Demolidor: Renascido são lançados todas as terças-feiras, exclusivamente no Disney+.
Leia sobre os episódios anteriores:
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- Crítica | Demolidor: Renascido – 1×3: Justiça sem máscara, heróis sem paz
- Crítica | Demolidor: Renascido – 1×4: Justiça, sistema e a sombra do Justiceiro
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- Crítica | Demolidor: Renascido – 1×6: Quando os demônios voltam à tona
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