Goste ou não, Steven Moffat (“Sherlock”) foi fundamental para o renascimento de Doctor Who, desde a 1ª passagem de Russell T. Davies (“Years and Years”) no comando da série na retomada de 2005. Seus primeiros roteiros ajudaram a moldar uma nova era do programa; em 2007 ele criou os lendários e aterrorizantes Anjos Lamentadores, em “Não Pisque”; já em 2010 ele substituiu Davies como showrunner. Agora, ele retorna para a segunda era Davies, e seu primeiro episódio, “Boom”, é um thriller de destruir os nervos, tão bom quanto qualquer coisa que ele escrevera antes.
Se os episódios da semana passada foram brilhantes, agora parece que o reinado de Ncuti Gatwa (“Sex Education”) realmente começou. A premissa é simples – pelo menos no início: O Doutor pousa em um planeta alienígena devastado pela guerra e, na pressa de ajudar alguém em apuros, acidentalmente pisa em uma mina terrestre. É aí que as coisas ficam complicadas, pois esta não é uma guerra comum.
Um vilão da vida real
A luta é entre uma igreja militarizada e um misterioso inimigo alienígena. Mas os alienígenas não existem realmente. O conflito foi fabricado por um traficante de armas nefasto cujos robôs médicos cobram pela assistência no campo de batalha – um algoritmo decidiu que a guerra contínua é boa para os negócios. O vilão mais assustador de Doctor Who, no fim das contas, é o capitalismo.
No meio desse caos surge o Doutor, congelado de horror, incapaz de se mover para não detonar uma mina terrestre. O carisma refrescante de Gatwa, que até então contagiava qualquer um com sua cantoria e danças, têm sido uma alegria de se ver, mas – à beira da morte, com lágrimas escorrendo pelo rosto, sua fachada atrevida começou a dar lugar a algo mais sombrio – ele nunca foi tão eletrizante. Ver o Doutor tão vulnerável não é familiar, mas Gatwa não perde um grama de sua seriedade. E é um grande mérito do ator que, mesmo parado, ainda é um para-raio de atenção.
A corajosa companheira Ruby (Millie Gibson), que também passou os primeiros dias desta nova era presa em um modo muito solar, muito por conta do próprio Gatwa ao lado, neste terceiro episódio, recebe material mais substancial – uma permissão para mostrar seu alcance e conduzir a narrativa – avançando para proteger o Doutor de soldados, robôs e uma criança assustadora chamada Splice (Caoilinn Springall).
O pai de Splice era um soldado que foi morto “humanitariamente” por um robô porque não tinha dinheiro para pagar o tratamento médico – “a vida é barata”, explica o Doutor, “os pacientes são caros” – Seu corpo agora está comprimido em um tubo compacto e carnudo, enquanto ele “vive” como um avatar holográfico de Inteligência Artificial (IA). Não é apenas uma ideia maravilhosamente horrível, mas também é parte integrante da resolução do episódio.
Ruby não é a única companheira em cena, entretanto. A grande surpresa do episódio é a aparição forte e charmosa de Varada Sethu, atriz já definida para substituir Gibson como próxima companheira do Doutor. Ela interpreta Monday, um soldado fanática que se depara com um angustiado Doutor e Ruby.
Steven Moffat em seu melhor
Embora a minha temporada preferida – a 9ª – da era moderna de Doctor Who seja do período que o Moffat foi o showrunner, ainda acredito que seu tempo no comando da série foi muito irregular, sobretudo quando Matt Smith (“A Casa do Dragão”) estava pilotando a TARDIS. Dito isso, é inegável que estamos falando de um excelente roteirista e é um nerd obsessivo quando o assunto é Doctor Who – me lembra até Grant Morrison, quando o assunto é DC.
Sem a responsabilidade de gerir todo esse universo e criar uma trama megalomaníaca para fechar arcos de temporada, Moffat escreveu alguns dos melhores episódios da série justamente na primeira passagem de Davies como showrunner de Doctor Who, e, sinceramente, acho que nessa posição ele desempenha seu melhor. Minha confirmação é seu retorno neste ano.
Afinal, verdadeira estrela de Boom é o seu roteiro sublime e cerebral. O tempo de Steven Moffat em Doctor Who, de 2010 a 2017, provou ser divisivo por causa de suas tramas furadas, megalomaníacas e tom bastante volátil, mas este episódio é um lembrete de tudo em que ele é melhor.
Episódios como “Bebês do Espaço” e “O Som do Diabo” são ótimos para a televisão, que me mostram porque gosto de Doctor Who, mas Boom é o tipo de episódio que me lembra porque acredito que este é o melhor programa de TV já feito. Eu facilmente o colocaria no escalão de melhores episódios individuais da história da série, e escrever sobre isso me fez querer assistir mais uma vez, então acho que vou.
3 Comentários