Crítica | Doctor Who 1x06 - eu também quero brincar de Bridgerton
(Foto: Divulgação/BBC)

Crítica | Doctor Who – 1×06: eu também quero brincar de Bridgerton

Os últimos episódios de Doctor Who foram conceitualmente ousados e experimentais, desde o futuro alternativo Doctor-lite de “73 Jardas” até os desagradáveis protagonistas racistas de “Ponto e Bolha“. Mas a brincadeira da regência de hoje, “Ladino”, é um bom e velho retorno à tradição – simplesmente o Doutor e sua companheira, explorando o tempo e o espaço, lutando contra uma ameaça alienígena sinistra.

Doctor (Ncuti Gatwa) Ruby (Millie Gibson) desembarcam para ano de 1813 em Bath, na Inglaterra, com o objetivo de dançar em bailes e beber como em novelas e séries de época. E assim como Ponto é Bolha tocou indiretamente em “Black Mirror“, Ladino brinca de emular outro grande sucesso da era dos streamings: “Bridgerton“. E esse não foi um mero aceno de cabeça ao drama de época de Shonda Rhimes (“Grey’s Anatomy”), o negócio explícito mesmo, há até covers clássicos de músicas pop modernas no baile, como “Bad Guy” da cantora Billie Eilish.

No entanto, o Doutor e Ruby não estão sozinhos no seu entusiasmo com a Era Regencial inglesa. Os vilões desta semana são os Chulder: alienígenas que mudam de forma, parecidos com pássaros, que são tão grandes fãs de Bridgerton que viajaram para a Terra da era da Regência para “fazer cosplay” do show – sim, essa é a motivação deles. Infelizmente para figuras como a Duquesa de Pemberton (Indira Varma), isso não significou simplesmente vestir-se à moda da Regência, mas matar pessoas e roubar seus corpos. Um meta-comentário, talvez, sobre como os fãs modernos tentam possuir programas e personagens.

Eu já havia no episódio anterior que Russell T Davies adora inclinar suas obras ao Zeitgeist. Durante sua primeira passagem como showrunner de Doctor Who, de 2005 a 2010, ele frequentemente fazia referência a sucessos contemporâneos como “Big Brother” e “The Weakest Link”. No entanto, ele não pode receber todo o crédito por “Ladino”. O episódio escrito pelas novatas em Doctor Who, Kate Herron e Briony Redman, a parceria por trás de outro sucesso, a série Marvel “Loki”.

A verdadeira estrela do episódio é o homônimo Ladino, um enigmático caçador de recompensas interpretado pelo arrojado astro americano da Broadway Jonathan Groff (“Batem à Porta”). Sua missão é simples: caçar Chulder e levá-los à justiça. Em vez disso, o que ele encontra um improvável e arrebatador romance, que culmina no primeiro beijo do mesmo sexo do Doutor – ou pelo menos seu primeiro beijo de verdade.

Afinal, quem poderia resistir à dança hipnotizante de Ncuti Gatwa ao som de “Can’t Get You Out of My Head?” de Kylie Minogue? Esse vai outro elogio ao trabalho de Gatwa, que neste episódio ele é extremamente sedutor de uma maneira boba, charmosa e vulnerável.

Crítica | Doctor Who 1x06 - eu também quero brincar de Bridgerton
(Foto: Divulgação/BBC)

Mas claro, claro que tudo termina em tragédia. A armadilha que o Doutor fez para pegar os vilões acabou prendendo também a Ruby junto. Foi então que, após um beijo no Doutor o Ladino se sacrifica heroicamente para salvá-la, condenando voluntariamente ao exílio em uma dimensão desconhecida.

Seria tolice pensar que o Ladino retorne algum dia retornará – mas a magia de um romance nos dá uma esperança desesperada de que ele retorne de qualquer maneira.

A era moderna de Doctor Who têm sido mais ousada do que a maioria dos programas no que diz respeito à representação LGBTQ+. No episódio de 2005 “The Parting of the Ways”, por exemplo, o capitão Jack Harness (Jack Barrowman) dá um beijo de despedida em Rose (Billie Piper) e no Doutor (Christopher Eccleston). Foi um grande negócio na época.

No entanto, Davies, que deixou Doctor Who em 2010, não é o mesmo escritor que voltou no ano passado. Este é o homem que escreveu o surpreendente drama sobre AIDS “It’s a Sin” e que criticou abertamente a forma sutil que a Disney revelou que Loki era bissexual em sua série solo. Presumivelmente Herron e Redman foram contratados para escrever Ladino para corrigir seus erros em uma série que nunca teve medo de ser progressista.

Daí o elenco de Gatwa e a atrevimento descaradamente extravagante que ele traz ao Doutor; daí os grandes números musicais campais de “O Som do Diabo“; daí a escalação da atriz trans Yasmin Finney (“Heartstopper”) como Rose em “A Fera Estelar”; daí o lindo momento em Ladino, onde o Doutor e o caçador de recompensas se beijam em meio ao perigo. Quando se trata de representação LGBTQ+ na TV, os shows fazem representações “sutis” e até quase obrigadas por ser uma obrigatoriedade para produções no século XXI, Doctor Who não tem vergonha, e grita representatividade em voz alta e com muito orgulhoso.

Leia as críticas dos episódios anteriores:

Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.