Crítica | Em 'The Bad Fire' o Mogwai acende memórias sem incendiar novidades
Mogwai/Divulgação

Crítica | Em ‘The Bad Fire’ o Mogwai acende memórias sem incendiar novidades

Há algo quase ritualístico em ouvir um novo álbum do Mogwai. A expectativa por aquela imersão sonora, as guitarras que falam mais que palavras, os crescendos que arrepiam até os ossos. Quando a banda escocesa anunciou The Bad Fire, seu décimo primeiro álbum de estúdio, a ansiedade foi inevitável. Afinal, estamos falando de uma das bandas mais consistentes do post-rock, gênero que vive uma crise de identidade ao dialogar pouco com novidades e estabelece caminhos muito seguros para bandas do passado.

Pois bem, The Bad Fire faz exatamente isso. Ele chega como um álbum que dialoga com o passado, mas sem necessariamente abraçar o futuro. É um disco que evoca memórias, tanto da própria trajetória do Mogwai quanto de uma era dourada do indie e do rock alternativo dos anos 2000. A produção é impecável, como sempre, e as habilidades técnicas da banda continuam afiadas. No entanto, há uma sensação de que o Mogwai está confortável demais em sua zona de conforto, revisitando velhos truques sem ousar em novas direções. Nada contra reverenciar o passado, mas é um pouco frustante alguns grupos mais rodados se tornando bandas-legado.

A abertura do álbum, “God Gets You Back”, é um exemplo claro disso. A faixa começa com sintetizadores ondulantes e uma atmosfera espacial que gradualmente se intensifica, até explodir em uma cacofonia de guitarras distorcidas e vocais manipulados. É uma construção clássica do Mogwai, que lembra trabalhos anteriores como “Mogwai Fear Satan” ou “Like Herod”. No entanto, a sensação de déjà vu é inegável. A estrutura da música, com seu crescendo lento e sua conclusão épica, parece uma releitura de clássicos do gênero, como “Intro” do M83 ou “Love Like A Sunset” do Phoenix. É bem executado, mas falta aquela centelha de inovação que poderia torná-lo memorável.

Outro ponto que chama atenção é “Fanzine Made Of Flesh”, um dos singles que antecederam o lançamento do álbum. Aqui, o Mogwai opta por um som mais direto, com guitarras distorcidas e vocais com autotune que lembram o estilo de Stuart Braithwaite em trabalhos anteriores. A música é energética e cativante, com um refrão que gruda na mente. No entanto, ela também soa como uma homenagem a bandas como MGMT e Ratatat, que dominaram a cena indie na década passada. A sensação é que o Mogwai está tentando reviver um espírito que já foi inovador, mas que hoje soa um pouco datado.

Dito isso, nem tudo em The Bad Fire é nostalgia. “Hammer Room” é, sem dúvida, o destaque do álbum. A faixa começa com uma melodia de piano staccato, que gradualmente se transforma em uma jam session eletrônica e dançante. A maneira como os instrumentos se entrelaçam, com cada um tendo seu momento de brilho, é uma prova da maestria do Mogwai. É uma música que respira, que evolui, e que mostra que a banda ainda tem muito a oferecer quando decide sair do piloto automático.

Outro momento interessante é “Pale Vegan Hip”, uma faixa que começa com uma guitarra melancólica e introspectiva, mas que, no meio do caminho, é invadida por um sintetizador oscilante e inesperado. É uma surpresa bem-vinda, que adiciona camadas e texturas à música, e que mostra que o Mogwai ainda é capaz de surpreender quando quer.

No entanto, nem todas as experimentações funcionam. “Hi Chaos” e “18 Volcanoes” são exemplos de músicas que prometem muito, mas que acabam se perdendo em meio a uma produção que, embora competente, não consegue entregar o impacto emocional que o Mogwai já nos acostumou. A distorção das guitarras, que deveria ser avassaladora, acaba soando contida, como se estivesse sendo filtrada por uma lente que suaviza suas arestas. É uma escolha de produção que pode agradar a alguns, mas que, para quem espera aquela experiência visceral, pode deixar a desejar.

E é aí que reside o maior problema de The Bad Fire: a sensação de que o Mogwai está tentando equilibrar dois mundos diferentes. De um lado, temos a banda que quer explorar novos territórios, como em Hammer Room e Pale Vegan Hip. Do outro, temos o Mogwai que parece relutante em abandonar completamente o som que o tornou famoso, resultando em músicas que, embora bem executadas, soam como reciclagens de ideias antigas.

Crítica | Mogwai está de volta com The Bad Fire, que acende memórias sem incendiar novidades
Steve Gullick/Divulgação

Ainda assim, é impossível não se emocionar ao ouvir The Bad Fire. Porque, no fim do dia, estamos falando de uma banda que, mesmo em seus momentos mais seguros, ainda consegue tocar algo dentro de nós.

The Bad Fire pode não ser o álbum mais inovador da carreira do Mogwai, mas ele ainda é um testemunho da habilidade da banda em criar paisagens sonoras que ressoam profundamente. É um disco que acende memórias, que nos faz lembrar de uma época em que a música indie era uma força revolucionária.

E, talvez, seja exatamente isso que o Mogwai queria: não reinventar a roda, mas nos lembrar do porquê ela continua girando. E, para mim, é um lembrete de que, mesmo quando o Mogwai não está no seu ápice, ele ainda é capaz de nos fazer sentir algo. E, no fim das contas, não é isso que a música deveria fazer?

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.