Crítica | 'The Human Fear' do Franz Ferdinand é um disco seguro até demais
Franz Ferdinand/Divulgação

Crítica | ‘The Human Fear’, do Franz Ferdinand, é um disco seguro até demais

Novo álbum da banda reafirma que eles viraram um grupo legado

Há algo quase nostálgico em acompanhar uma banda como o Franz Ferdinand. Desde o estouro de “Take Me Out”, em 2004, o quinteto escocês se tornou sinônimo de indie rock dançante, com letras afiadas, guitarras cortantes e um charme que misturava o intelectual com o hedonista. Praticamente 20 anos depois, a banda lança The Human Fear, seu sexto álbum de estúdio, e a pergunta que fica é: eles ainda conseguem surpreender?

Estive no último show da banda no Brasil, ano passado, e confesso que saí do show com um misto de admiração e uma ponta de saudade. A energia de “Do You Want To” ainda é contagiante, mas era perceptível que o Franz Ferdinand de 2024 não é mais o mesmo de 2004. E talvez isso não seja necessariamente ruim. O tempo passa, as bandas mudam, e o que importa é se a música ainda ressoa. Com The Human Fear, a resposta é: sim, mas com ressalvas.

Medo e humanidade

Alex Kapranos, o carismático frontman da banda descreve o álbum como uma “exploração do medo e da emoção de ser humano”. É um tema ambicioso, mas que acaba sendo tratado de forma um tanto superficial. As letras de Kapranos ainda têm seu charme característico, com vinhetas irônicas e personagens que parecem saídos de um filme de Wes Anderson.

Em “The Doctor”, ele brinca com a ideia de um paciente que se recusa a deixar o hospital, enquanto em “Bar Lonely” pinta um retrato melancólico de um bar onde todos estão sozinhos, mas juntos.

No entanto, o conceito de medo e humanidade, que poderia render um álbum mais profundo e introspectivo, acaba sendo apenas um pano de fundo para músicas que, em sua maioria, não ousam sair da zona de conforto. É como se a banda tivesse medo de realmente mergulhar no tema que ela mesmo escolheu.

Jogando no seguro

Musicalmente, The Human Fear é um álbum que se apoia em fórmulas já testadas e aprovadas pelo Franz Ferdinand. As guitarras cortantes e os grooves dançantes estão lá, mas falta aquela centelha de inovação que fez a banda se destacar nos anos 2000.

A faixa de abertura, “Audacious”, é um exemplo perfeito disso. Com um riff de guitarra que lembra os primeiros dias da banda, a música é cativante e bem produzida, mas soa como uma versão mais polida de algo que já ouvimos antes. O refrão é otimista e empolgante, mas não chega a ser memorável.

“Build It Up”, co-escrita pelo tecladista Julian Corrie, é uma das faixas mais interessantes do álbum. Com um groove funky e um refrão que parece feito para palcos de festival, a música mostra que a banda ainda sabe criar uns hits. No entanto, mesmo aqui, há uma sensação de que o Franz Ferdinand está tocando seguro, sem arriscar demais.

O ponto alto do álbum, sem dúvida, é “The Birds”. Com uma energia pós-punk e uma atmosfera mais sombria, a música finalmente traz algo de novo para a mesa. É uma pena que ela seja a faixa de encerramento, porque é justamente nesse momento que o álbum parece ganhar vida.

Por outro lado, há momentos em que a banda tenta sair da zona de conforto, mas os resultados são mistos. “Hooked”, por exemplo, é uma tentativa de mergulhar no electroclash e na estética dos anos 2000, mas acaba soando datada e forçada. Já “Black Eyelashes”, com sua influência balcânica, é uma curiosidade interessante, mas não chega a ser impactante.

A produção de The Human Fear é impecável, como era de se esperar. O resultado é um álbum que soa moderno, mas sem perder a identidade. As guitarras estão afiadas, os sintetizadores brilham e a bateria de Audrey Tait (que substituiu Paul Thomson em 2021) é precisa e energética.

Mas é difícil não sentir um pouco de frustração ao ouvir The Human Fear. O Franz Ferdinand é uma banda que já provou ser capaz de inovar e surpreender, mas aqui eles parecem contentes em repetir fórmulas que já funcionaram no passado. Não há nada de errado em ser uma banda de legado, mas é um pouco decepcionante ver tanto potencial se contentar com o mínimo.

The Human Fear provavelmente vai agradar os fãs de longa data, mas dificilmente conquistará novos ouvintes. É um trabalho competente, bem produzido e com alguns momentos de brilho, mas que deixa a sensação de que a banda ainda tem muito mais a oferecer. Talvez, da próxima vez, eles possam se permitir correr mais riscos e explorar novos territórios. Afinal, como o próprio Kapranos canta em Audacious: “Não pare de se sentir audacioso”.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.