Bokeh Game Studio/Divulgação

Review | Slitterhead é uma bagunça, mas também é o jogo mais interessante do ano

Slitterhead é um jogo estranho. Tem um combate meio desajeitado, visuais que lembram um Yakuza do Playstation 3, e algumas sessões obrigatórias de stealth que são simples e repetitivas. E, ainda assim, é o jogo mais interessante do ano. Parece que a equipe de desenvolvimento realmente colocou paixão no projeto e, finalmente, teve carta branca para criar algo único. Muitos podem não gostar, é válido, mas não tem nada igual a Slitterhead por aí.

Idealizado por Keiichiro Toyama, criador de “Silent Hill”, logo após a pandemia abalar o mundo, o primeiro jogo da Bokeh Game Studio é uma estreia bastante corajosa. Slitterhead proporciona um tipo de experiência única que você espera de um nome tão venerado quanto o de Toyama na cena do horror japonês. O jogo mistura monstros grotescos e modelos de personagens limitados, mas oferece uma experiência consistentemente envolvente e desconfortavelmente alienígena.

O jogo foi vendido como um “survival horror moderno”, mas, tirando uns membros de corpo voando, eu não diria que é exatamente isso. Na real, é mais uma história de detetive com personagens fortes, com uns toques de body horror meio animados. Você controla um parasita que consegue pular de corpo em corpo, e logo começa a ser perseguido pelos Slitterheads — os monstros que explodem de dentro das cabeças de pessoas comuns.

A introdução é meio confusa, sem saber muito bem o que está acontecendo, mas a história vai tomando forma quando você conhece sua primeira Rarity, a Julee. Rarities são pessoas que ainda têm consciência mesmo quando o parasita, chamado Night Owl, toma controle de seus corpos. E é aí que o Night Owl começa a desbloquear umas habilidades especiais baseadas no sangue dessas pessoas.

Review | Slitterhead é uma bagunça, mas também é o jogo mais interessante do ano
Bokeh Game Studio/Divulgação

A narrativa vai se desenvolvendo conforme o Night Owl encontra novas pessoas. A Julee, por exemplo, quer acabar com os Slitterheads para proteger os inocentes, e isso os leva a encontrar o Alex, um médico vingativo e maluco, e outros personagens.

O que é bem legal é como os corpos que o Night Owl usa mudam de acordo com a personalidade da pessoa. Julee traz curiosidade e empatia, enquanto o Alex traz raiva e agressividade. E essas interações entre os personagens influenciam as missões e o rumo da história, o que deixa tudo bem interessante. Você pode até ouvir um boato e isso te leva para um novo local ou revela uma Rarity escondida que muda o caminho da história.

Essa parte, da interação entre personagens, é um dos maiores pontos positivos do jogo. Nunca vi outro jogo fazer isso de uma forma tão envolvente. Ver as reações deles e como isso impacta a narrativa é de longe a melhor parte de Slitterhead.

Mas, por outro lado, o jogo tem uns problemas. As missões principais são basicamente caçar monstros, o que, com o passar do tempo, vai se tornando bem sem graça, ou se infiltrar em lugares com stealth, que também não é tão divertido assim.

Bokeh Game Studio/Divulgação

A jogabilidade em geral tem um jeitão meio tosco, tipo aqueles jogos dos anos 2000 que pingavam na biblioteca do Playstation 2. As animações são meio estranhas, a exploração é bagunçada e o stealth não funciona direito. Tudo parece meio desajeitado.

E o combate, então… Você tem uma Rarity que traz uma arma única e habilidades especiais. A Julee, por exemplo, usa umas garras feitas de sangue, que permitem ataques rápidos, enquanto o Alex consegue absorver sangue do chão para se curar e depois usar para disparar com sua espingarda.

A troca rápida entre as Rarities é a chave para enfrentar as batalhas, mas no começo, as lutas contra os Slitterheads parecem impossíveis. O jogo te ensina a usar o bloqueio, mas, na real, você não precisa disso. O truque é atrair a atenção com um humano, trocar para outro, dar uns golpes, mudar de novo para atrair mais inimigos e aí usar uma Rarity para um ataque mais forte. Depois que você pega o jeito, até que fica legal, mas não chega a ser algo incrível.

Isso é o que Slitterhead tem de bom e de ruim. Existe ideias geniais e momentos bem impactantes, mas também tem muitas frustrações. Você pode ver a solução de um quebra-cabeça, mas precisa interagir com uma porta antes de conseguir completar. Ou então, você vai atrás de um monstro e fica rodando por tempo demais, ou perde uma Rarity que está escondida em algum lugar e fica perdendo tempo pra encontrar. Ou ainda, tem uma missão que você precisa repetir várias vezes.

Review | Slitterhead é uma bagunça, mas também é o jogo mais interessante do ano
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Slitterhead é o jogo mais interessante de 2024, mas você tem que estar preparado para essa jornada cheia de altos e baixos. Sua apresentação é frequentemente atípica para o meio, mais em sintonia com câmeras e blocos de cores vanguardistas do que com os padrões contemporâneos “cinematográficos”.

No entanto, é um jogo que exala autoconfiança e clareza de intenção, desde a interface até a trama e os sistemas. Nenhuma dessas coisas está isenta de falhas, mas todas estão distintamente presentes e deliberadas. Eu diria até que Slitterhead parece destinado a ser a joia escondida do horror desta geração.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.