A Netflix concedeu à Millie Bobby Brown (“Enola Holmes”) seu mais novo protagonismo à la Mary Sue no filme Donzela, livro homônimo de Evelyn Skye. Nesta fantasia épica conhecemos Elodie (Brown), uma princesa que deve enfrentar a morte personificada por um dragão após ser traída por seu príncipe. Lançado em março, o longa não só marca o retorno da atriz como heroína, como reforça seu favoritismo em mais uma empreitada do streaming.
Na trama, a criatura ardente exige da rainha (Robin Wright) três de suas “filhas” em troca de não incendiar o reino. A monarca, então, concebe um casamento estratégico. Seu filho, o príncipe Henry (Nicholas Robinson) se casa com Elodie, filha mais velha do governante (Ray Winstone) de um reino pobre e remoto. O cenário cordial nos conduz ao assombro assim que a jovem é levada para um ritual que une seu sangue ao da família real.
Jogada em um abismo
Após adquirir a linhagem, Henry rompe a união carnal com sua recém esposa ao lançá-la à imensidão de uma caverna. A queda faz Elodie atingir bruscamente o chão e facear uma realidade nada “maravilhosa” aos moldes de Alice Kingsleigh. Isso porque embora a jovem use estalactites derretidas para matar a sede, se encante com cristais “cantantes” e encontre insetos fluorescentes que curam suas feridas, a donzela deve escapar das chamas do dragão e sair do abismo, onde várias princesas morreram.
Iniciamos assim um voyeurismo angustiante durante as aparições do dragão e a fuga da protagonista. Tal experiência deve-se ao maneirismo do diretor espanhol Juan Carlos Fresnadillo (“Extermínio 2”), que se inspirou em Hitchcock ao emular o olhar do espectador no movimento de câmera. Surpresa aos que deram play na obra pelo seu título manso.
E por falar em enquadramento, o visual é, evidentemente, um dos pontos altos do filme — junto a escolha do elenco. Há maestria em mesclar a realidade e o ficcional por meio das imagens e sequências. Esta dualidade reflete nos tons pastéis e suaves traduzidos como sonhos, nostalgia… enquanto os contrastes ajudam a enfatizar os conflitos dos personagens. Vale ressaltar o uso demasiado do CIG para aprimorar este universo. Embora busque o realismo, as camadas incessantes de encantamento fogem da sutileza.
Diante disso, luz e sombra foram primordiais para guiar a emoção do espectador junto à trilha sonora, que complementa de forma magistral a atmosfera de Donzela. As composições de David Fleming (“Sr. & Sra. Smith”), (2024), são delicadas e evocativas, muitas vezes com elementos de música clássica e contemporânea usadas de forma estratégica para enfatizar momentos-chave da narrativa,
A donzela
Nesse sentido é relevante abordar o esforço do arquétipo de Elodie em opor-se ao título de donzela e de sua fragilidade semântica. A protagonista promete justamente desafiar as normas, que inicialmente aceitou como destino, e redefinir o conceito de princesa indefesa em busca pela liberdade. Isso porque é de praxe da cultura pop narrativas que mostrem esta transição por meio do “travesso”, o ser desobediente e curioso que pode encantar ou cansar o público que o acompanha em suas descobertas.
Tendo isso em vista, assistir Donzela é desanimador por não explorar adequadamente outros personagens e narrativas, assim como carece de um desenvolvimento individual significativo da protagonista. A começar pelo título simples e genérico, que se tornou atrativo pela face de Millie no anúncio. Ademais, usar a fórmula épica das histórias fantásticas pode beirar o clichê que pende ao cansaço se usado apenas para dar o tom emocionante a um enredo básico.
De todo modo, há muito bom grado técnico em compor cenas grandiosas e contrastes que preenchem a tela e os olhos em um show visual. Com uma história nada alheia às críticas sociais, o empoderamento feminino tem um final feliz verossímil a um conto de fadas. E assim, o espectador conclui sua experiência imaginativa. E aos que não se vislumbraram com o filme resta suprir suas carências com a obra em sua própria fabulação.
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