Por onde começar a falar sobre Bebê Rena? É uma ótima questão. A nova produção original da Netflix que, até a data de publicação deste texto, se encontra no Top 10 da plataforma, entrega o que promete. Uma história real, direção e atuação impecáveis, que, juntos, constroem uma narrativa sólida, dramática e envolvente.
Donny Dunn (Richard Gadd), é um comediante em início de carreira que trabalha em um pub, além de fazer os seus shows e participar de competições de comédia. Enquanto trabalha servindo os clientes por trás de um balcão, por acaso, um certo dia, uma mulher entrou abalada no estabelecimento e comoveu Donny, que como um bom comediante, tentou animá-la. Infelizmente, o que ele não sabia, é que ele estava dando o primeiro passo para um dos piores momentos de sua vida. Martha (Jéssica Gunning), a sua mais nova cliente, se tornou obcecada por ele, em níveis preocupantes.
Diante da situação inusitada e assustadora, Gadd se vê muito abalado e vulnerável, o que impacta suas escolhas e decisões no presente e o faz reviver traumas de seu passado.
O coração do show está neles
Antes de tudo, devo ressaltar a atuação impecável de Richard Gadd e Jéssica Gunning que protagonizaram a minissérie. Apesar de Richard ter de fato vivido o seu papel fora das telas, toda a emoção e veracidade que o comediante entrega, envolvem o expectador. Os sentimentos que ele passa são muito críveis e vívidos através das câmeras, o que nos faz rir, nos irritar e nos emocionar junto dele. Além, é claro, de ter vivenciado e tido coragem de encarar novamente seus traumas, os expondo ao mundo. Por esse mérito, o ator merece com certeza a nossa atenção.
Em relação à atuação de Jéssica Gunning, todo amor, raiva e descontrole são passados de maneira tão fiel à personagem. Desse modo, existem momentos em que criamos uma empatia pela stalker, e nos vemos na mesma posição em que o protagonista. Além disso, nas cenas contendo apenas a atuação de voz de Jéssica, que são muitas, o envolvimento a cada episódio é garantido.
Juntamente às suas falas e risadas marcantes, as expressões sempre confusas e de admiração entregues ao seu parceiro de cena são sempre presentes. Jessica realmente entregou uma atuação de muita qualidade. Sua personagem é sempre mencionada como uma mulher instável e verdadeira. Dito isso, Martha não deixa nenhuma dessas duas características a desejar.
Um trabalho dirigido por três cabeças
Sob o mesmo ponto de vista, não foi apenas a atuação que construiu essa obra prima. A direção de Weronika Tofilska (“Os Irregulares de Baker Street”), Josephine Bornebusch (“Me Ame“) e Jon Brittain (“As Aventuras Inventadas de Dick Turpin”) constrói uma narrativa muito sólida, mesmo com a divisão na direção. Outro mérito para Richard Gadd, que também atua como showrunner da minissérie. A veracidade dos fatos é tão clara, que nós nos tornamos vulneráveis juntamente com os personagens. A confusão mental de ambos, Donny e Martha, faz com que nós, expectadores, fiquemos com dúvidas do que é certo ou errado também.
Nesse sentido, os planos de câmeras utilizados juntamente à iluminação, são fatores que garantem tal interação. O grande uso de planos-detalhe, que mantêm os personagens mais próximos à tela, mostram claramente seus rostos e reflexos. Os planos fechados cumprem a mesma função, que junto à iluminação, que varia de tons quentes e frios, mas sempre numa paleta de cores acinzentada, mostra essa variação de emoções de acordo com a cena, mas ao manter essa paleta fixa a série toda nos dá uma sensação, que mesmo quando estamos em cenas diurnas existem trevas.
Em outras palavras, ou imagens, abaixo, essa questão da ambientação, que neste caso é fria e próxima à personagem, Martha, combinada à expressividade de Jessica Gunning, cria essa sensação de dúvida e desconforto, que são pontos chave, nesse momento da trama de Bebê Rena.
Do mesmo modo, a montagem da linha temporal, que nos permite entender melhor a trama, é cuidadosamente montada como se estivéssemos dentro do caos que se passa na vida do comediante escocês. Com isso, o drama pesa a cada episódio, e nos traz sentimentos de empatia para com os personagens principais. Nesse sentido, com o passar dos episódios, qualquer dúvida ou curiosidade acerca dos protagonistas é esclarecida de forma objetiva e simples.
Nem tudo é perfeito
Contudo, apesar de os personagens principais terem sido muito bem explorados, essa clareza foi deixada brevemente de lado em personagens secundários. O caso de Teri (Nava Mau), é um exemplo, pois apenas em alguns momentos ela fala sobre si, ou sobre o seu passado, jogando apenas algumas curiosidades e leves esclarecimentos em conversas com Donny.
Sob o mesmo ponto de vista, ao final de Bebê Rena, não se sabe o que aconteceu com a personagem. Sua existência na minissérie foi quase que completamente inexplicada e não é possível compreender exatamente qual o rumo tomado pela ex de Donny. Em uma cena rápida, Terri é vista saindo de seu apartamento acompanhada de outro homem, mas nada além disso.
Quesito técnico
Algo que não posso pecar em não comentar, é a direção de fotografia de Krzysztof Trojnar (“1899”). A primeira vista, Trojnar, cria uma atmosfera mais fria (tons pastéis e menos vibrantes; exemplo: Azul). Contudo, em momentos de tensão ou euforia presentes na produção, as cores dançam e se envolvem com os personagens (tons mais vívidos e chamativos; exemplo: vermelho e amarelo, até criando tonalidades de laranja). Assim também, podemos ter uma percepção quanto a trilha sonora encarregada à Evgueni Galperine e Sacha Galperine. A dupla que também trabalhou em, “Cenas de um Casamento”, construiu uma trilha que colaborou, e muito, para todo o envolvimento da série. Bem como, os clássicos que compõe tal trilha incidental, com letras perfeitamente encaixadas às cenas.
Definitivamente, não é a toa que a Premiação do Emmy, escalou Richard Gadd nas categorias Melhor Ator Principal em Série ou Filme Limitado ou Antologia e Melhor Roteiro para Série ou Filme Limitado ou Antologia.
Por fim, por mais que esta seja uma minissérie, seu final deixa em aberto uma oportunidade para a extensão da trama. O que, se feito da mesma maneira, pode ser um grande acerto da Clerkenwell Films (“The End of the F***ing World”) e da Netflix. Com isso, o drama bem amarrado e roteiro extremamente bem construído, é uma ótima opção para você que curte uma narrativa mais pesada.
Dito isso, ao aprofundarem as perspectivas acerca dos personagens secundários, e manter os quesitos técnicos elevados, uma segunda temporada de Bebê Rena seria interessante.
O apelo feito pela produção de Matthew Mulot (The King is Dead) e Francesca Moody (Fleabag) não é apenas mais uma minissérie para entreter, mas também para alertar o público de perigos reais. E a maneira como este alerta foi construído, intimamente expondo as verdades e traumas vividos por Gadd, não deixa de lado nenhum detalhe importante. E mesmo assim, não se entrega aos exageros, que são muito comuns em produções do gênero.
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