A primeira experiência de muitos com a franquia Fallout nos jogos provavelmente foi Fallout 3, um dos jogos mais aclamados da Bethesda Softworks. A partir do jogos descobrimos não só como o mundo acabou e o que aconteceu após isso, mas também podemos entender o tom que a série queria passar. Violento e caricato, um Estados Unidos futurista, mas preso na estética e contexto dos anos 1950. Para ilustrar, a primeira cidade que encontramos em Fallout 3, Megaton, foi construída ao redor de uma ogiva nuclear que nunca explodiu e formou uma religião sobre a bomba.
Então, para adaptar isso do jogo para série, seria um desafio interessante, mas não sem precedentes na Prime Video. Por um lado, outras adaptações mostraram o mesmo nível de violência e humor cínico, como a série “The Boys”. Porém, “Halo”, na minha opinião, é o sinônimo de uma adaptação ruim de videogame pelo descaso com o produto original.
Fora das plataformas de streaming, adaptações tiveram resultados variados, conseguindo capturar a essência da franquia utilizada ou falhando em agradar os fãs. O equilibrio em criar algo novo e ser fiel a obra pode ser algo difícl.
Felizmente, a série Fallout pode nos transportar para este mundo pós-apocalíptico muito bem logo na primeira meia hora. Ao invés de recriar uma das histórias dos jogos, a série nos conta uma história inédita com a intenção de acrescentar ao universo Fallout a partir de três personagens: a otimista aventureira Lucy Maclean, interpretada por Ella Purnell (“Yellowjackets”), o escudeiro Maximus, por Aaron Moten (“Father Stu”), e o misterioso anti-héroi Ghoul, por Walton Goggins (“Justified”), todos conectados por um objeto que mudará o destino do Wasteland, ou Ermos, em português.
Em caso de explosão nuclear, se esconda debaixo da cama
Nos primeiros minutos, um detalhe já dava um bom sinal para série: as músicas. A franquia é conhecida por seu estilo retrofuturista dos anos 1950, em que o mundo tem robôs, armaduras de combate e armas a laser, mas ainda com TV em preto e branco e estética vintage. Acima de tudo, artistas como Nat King Cole, Cole Porter e Bing Crosby tocam no rádio e jazz é o gênero mais ouvido pelas as pessoas. Além de complementar a cara do jogo, essas características descrevem muito bem o humor sárcastico por trás de Fallout e muito presente na adaptação.
Durante a Guerra Fria, o temor por uma guerra nuclear era bem real e os americanos se preparavam para essa eventualidade, mas viviam suas vidas normalmente. Em um vídeo educativo, diziam que caso haja uma explosão nuclear, você poderia sobreviver se estivesse debaixo de uma cama. Uma mistura de terror e comédia, era uma maneira de aguentar a violência do dia a dia na epóca, uma banalização de uma ameaça real.
De forma parecida, a série utiliza essa mesma irônia com a trilha sonora, como colocando ao fundo de uma explosão nuclear “Orange Color Sky” de Nat King Cole ou “I don’t want to set the world on fire” dos Ink Spots, uma faixa clássica já embutida na franquia. Além disso, o humor da série se dá na quebra de expectativa dos personagens, como um valente caveleiro fugindo do perigo por sua vida ou um robô médico dizendo alegremente que irá confiscar seus orgãos. Como um extra, a série também faz inúmeras referências dos jogos, como a falta de um chip para o filtro de água no Refúgio 33 ou a máscara dos patrulheiros da Nova República da Califórnia.
No visual, a produção acertou em recriar muitos elementos dos jogos, como as armas, os Refúgios e até a icônica Power Armor. Os ghouls, humanos que foram transformados pela radiação, foram bem caracterizados e a maquiagem é bem feita, variando entre aqueles mais sãos entre aqueles que já perderam a cabeça. Além disso, o visual pós-apocalíptico louco de Fallout está bem representado, em que a cidade Filly é constuída em um ferro velho com casas antigas e juntadas com partes de onibûs e aviões. Ao todo, Fallout dá um bom passo em acertar o tom sarcástico deste universo.
Feo, fuerte y formal
A escolha de criar uma série independente dos jogos, mas que também acresentaria ao universo de Fallout foi uma decisão sábia da Bethesda. Não só convidaria um novo público a assistir a série expandiria para fãs recorrentes como, em tese, um novo “jogo”. A princípio, a história começa como os outros títulos, em que um morador de um Refúgio sai para se aventurar no mundo destruído para encontrar alguém ou algo. Nesse caso, Lucy está procurando seu pai, assim como em Fallout 3. Mas, além disso, a série explora o mundo na visão dos outros dois “jogadores”.
Ella Purnell faz um bom papel como otimista e inocente Lucy, aprendendo da maneira mais difícil como é a vida nos Ermos sem sacrificar seus ideais. Sua bordão “Okie Dookie”, uma expressão infantil e cômica, muito usado até nos momentos mais morbidos durante sua jornada. O arco de Aaron Mottem como Maximus expõe de forma real a dualidade entre sua facção, a Irmandade do Aço, que podem ser vistos tanto como hérois em um cenário desolador como brutos megalomaníacos em sua busca por artefatos do mundo antes da Grande Guerra.
Contudo, é Walton Goggins que chama mais a atenção com sua atuação do Ghoul, também conhecido como Cooper Howard. Diferente dos dois personagens principais, Ghoul é o que representa, tanto figurativamente quanto literalmente, como o mundo mudou para o pior após as bombas caírem. Mudando entre o passado e o presente, Goggins nos apresenta como os acontecimentos em sua vida passada mudaram sua visão de mundo, transformando o antes ator de hollywood para um caçador de recompensas impiedoso.
A estrada está só começando
Ainda assim, enquanto a série tenha acertado em sua caraterização e os personagens são cativantes, a série falha em não poder explicar certos aspectos do universo de Fallout e falta em mostrar aspectos importantes da franquia. Embora elementos possam ser entendidos por fãs da série, um público novo pode não captar direito a ideia, como as facções Enclave ou a Nova República da Califórnia. Ainda, as armas de energia ou outros monstros conhecidos na franquia de Fallout estão ausentes nesta primeira temporada.
Continuando neste ponto, a antagonista, Lee Moldavae, interpretada por Sarita Choudhury (“Mississippi Massala”), deixa muito a desejar em sua participação na história. Embora tenha deixado seus objetivos bem claros, sua participação é mínima e deixa os espectadores sem uma resposta clara para qual fim ela queria chegar. A falta de um antagonista presente por boa parte da série nos deixa pensando em quem ela pode ser, mas não dá explicação alguma como e porque ela conseguiu chegar como a líder de uma gangue de saqueadores.
Em Fallout, a definição de herói e vilão é ambígua, mas a presença de um antagonista pode ajudar a dar uma dinâmica diferente a narrativa, algo que a série não conseguiu definir direito. Mas, em quesito de vilões, diria que Fallout conseguiu definir bem e nos convidando para vê-los nas próximas temporadas deste universo tenebrosamente radiante. Porque está estrada está apenas começando e já deu seu primeiro passo.
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