Você já ouviu falar sobre o sub-gênero do cinema gótico sulista? Ele é Inspirado pelo gótico europeu, e surge na literatura norte-americana na década de 1920/1930 como uma contraparte para discutir sobre as questões sociais, culturais e raciais do sul estado-unidense, contextualizando costumes, crenças e o cotidiano no geral.

O subgênero utiliza a região do sul dos Estados Unidos, pano de fundo bucólico que envolve seus personagens em tramas de desilusão, loucura, traição, decadência, melancolia e violência – por vezes flertando com elementos do grotesco, do realismo mágico e do sobrenatural. Casarões, pântanos e plantações fantasmagóricas são características recorrentes, elementos esses que conversam com o histórico aristocrata e escravagista da região que costumam estar presentes, de alguma forma, nessas histórias. 

É este o gótico no qual Rose Glass (“Saint Maud”), diretora do filme, está interessada. A diretora lança um olhar de interesse sobre as caracterizações exageradas do subgênero, transformando seus personagens em manifestações dos crimes que carregam. Daí os apliques de Lou Sr. (Ed Harris, que faz o pai criminoso da protagonista) , e como o diretor de fotografia Ben Fordesman (parceiro de Glass também em Saint Maud, sua obra anterior) escolhe filmar flashbacks e delírios em um negativo vermelho que realça as crateras vazias das bochechas magras do ator. Daí os close-ups em veias e músculos inflados, o efeito sonoro incômodo que acompanha as sessões de treinamento de Jackie.

O filme de estreia de Glass, Saint Maud, é um thriller psicológico que segue pelas tendências do horror com uma história de delírio religioso que causa certo impacto com seus surtos de brutalidade. Seu segundo ato, o filme que aqui estamos revisando, não é menos agonizante de assistir, com uma violência de quebrar os ossos e dilacerar a carne.

Love Lies Bleeding

Minha primeira impressão sobre o filme é como é revigorante ver histórias como essa sendo contadas com amores sáficos que vão além dos tradicionais relatos de romance e saída do armário. É crucial para a evolução do pensamento a participação de personagens sáficas em diversos contextos e “realidades”. Tendo Kristen Stewart assumir o papel principal, então, deixa tudo ainda melhor, ter crescido com Crepúsculo e poder ver ela se sentir tão bem em um papel é no mínimo revigorante.

Assistir Stewart é sempre uma aventura. Nos últimos anos, ela evoluiu consideravelmente como atriz, entregando filmes excelentes e tornando filmes monótonos mais toleráveis. Stewart tem um dom para tornar a vida interior de um personagem transparentemente legível e, embora possa ser sutil e reservada, é sua presença fascinantemente inquieta que prende a atenção, uma intensidade que mantém tanto ela quanto o público em suspense.

Poucas estrelas modernas irradiam uma excelência butch suave (termo usado na subcultura lésbica e sáfica para descrever uma expressão de gênero menos feminina) tão bem quanto Kristen Stewart, e raramente essa qualidade foi tão bem aproveitada quanto em Love Lies Bleeding.

Stewart interpreta Lou, uma mal-humorada gerente de academia no final dos anos 80, com um passado opaco e uma reputação como a “lésbica número 1” da cidade. Não é surpresa quando uma fisiculturista de fora da cidade, Jackie (Katy M. O’Brian), chama sua atenção enquanto treina para um concurso próximo. Após um encontro fofo e sangrento e uma introdução sensual aos esteroides, Jackie se muda para a casa de Lou em tempo recorde.

Recém-chegada na cidade sem um tostão, Jackie trabalha como garçonete no campo de tiro local — uma fachada para o contrabando comandado pelo chefe do submundo local, Lou Sr. (Ed Harris). Lou e sua irmã Beth (Jena Malone) evitam a operação do pai, mas a frágil tranquilidade de seu refúgio no Novo México logo é ameaçada pelo marido abusivo e fracassado de Beth, JJ (Dave Franco).

Não há como falar de Love Lies Bleeding — O Amor Sangra sem mencionar a imersão aos anos 80 que seus cenários nos proporcionam. O filme conta com uma direção de arte muito bem orientada, na qual os espaços físicos transmitem informações cruciais sobre o estilo de vida oitentista em uma cidadezinha no meio do nada no Novo México. Os imponentes cenários externos soam tão solitários e opressivos quanto um quarto pequeno e claustrofóbico, enquanto ambientes internos são tomados de uma tensão incômoda que parece deixar os personagens exageradamente perto um do outro, como gigantes presos em caixinhas (quem viu entendeu a referência 😉)

Igualmente estimulantes (mas exclusivamente atraentes) são as cenas de sexo do filme, que exalam um erotismo sem disfarces ou o fetichismo já datada em romances sáficos. A câmera fixa-se candidamente no suor, saliva e outros fluidos corporais que o cinema normalmente varre para debaixo do tapete. 

Algo interessante ao longo do filme, e que ainda não decidi se considero positivo ou negativo, é como ele brinca cada vez mais com o fantasioso, perdendo o comprometimento com o real e literal. Não tenho certeza se gosto dessa abordagem, pois acredito que os absurdos crescentes me afastaram um pouco da imersão no filme. No início, fiquei extremamente intrigada, mas no final, tanto eu quanto o público no cinema ríamos cada vez mais das cenas absurdas. Embora esses elementos não sejam inéditos, eles surpreendem devido à atmosfera previamente estabelecida.

Inclusive, isso é o que torna os momentos finais do filme ainda mais inusitado, gerando um tipo de estranheza que, definitivamente, não será unânime entre os espectadores, se é uma estranheza boa ou ruim — principalmente os mais adeptos a finais minuciosamente explicados, ou realistas. 

Para aqueles que estão a fim de uma experiência mais gore e intrigante indico totalmente esse filme para uma boa sessão em casa com os amigos e uma pipoca. 

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