Ninguém Sai Vivo Daqui
Ninguém Sai Vivo Daqui

Crítica | Ninguém Sai Vivo Daqui é conservador em seu retrato do ‘holocausto brasileiro’

Ninguém Sai Vivo Daqui, filme nacional dirigido por André Ristum (“A Voz do Silêncio”) e inspirado no livro Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex, mistura personagens fictícios com relatos reais da tragédia de Barbacena, descritos no livro. A autora já escreveu sobre outras tragédias brasileiras que ganharam adaptações para as telas, como Todo Dia a Mesma Noite (2023), minissérie da Netflix sobre o incêndio da Boate Kiss.

O Hospital Psiquiátrico Colônia de Barbacena foi fundado em 1903 na cidade de mesmo nome em Minas Gerais, e ficou conhecido na década de 1980 pelo tratamento desumano oferecido aos pacientes, dos quais mais da metade nem sequer possuía um diagnóstico de doença mental, mas eram em sua maioria “pessoas não agradáveis”, como opositores políticos, prostitutas, mendigos, homossexuais, entre outros grupos marginalizados pela sociedade, transportados amontoados em vagões de carga. Por isso e pela quantidade de mortes estimadas no local (pelo menos 60 mil), o local foi comparado com um campo de concentração nazista.

Seguindo uma estética de terror psicológico, o enredo segue Elisa, vivida por Fernanda Marques (“Nas Mãos de Quem Me Leva”), uma jovem de vinte anos que chega no Hospital Colônia no início dos anos 70. Enviada pelo pai por ter engravidado antes do casamento, ela se depara com um mundo insalubre e inóspito, onde ela conhece outras pessoas internadas à força e tenta convencê-las a escapar. O filme nada mas é do que é a história resumida da série Colônia (2021), série original do Canal Brasil, disponível no Globoplay.

Além da jornada da protagonista, temos vislumbres das histórias dos outros personagens, como Verônica, Andréia Horta (“Elis”), amante do prefeito que sempre faz promessas falsas de libertá-la, e Wanda, interpretada por Rejane Faria (“Marte Um”), que assim como Elisa chegou grávida e deu à luz no hospital e nunca mais viu o filho. As narrativas paralelas e as interpretações dos personagens secundários, inclusive o vilão de Augusto Madeira (“Mussum, o Filmis”), são os únicos elementos que enriquecem uma direção engessada, que opta por utilizar muitos clichês do gênero do terror que tornam o filme previsível e afastando a humanidade e o realismo que fazem das atrocidades como as que vemos no filme tão repugnantes.

A fotografia em preto e branco ajuda a dar o tom da desesperança do dia-a-dia no hospital, mas também disfarça a imundície e o sangue, que coloridos talvez causassem mais aversão. Em geral, o choque esperado pelo contexto de genocídio não chega, o enredo ora parece exagerado ou maquiado demais, talvez pela ausência de uma exploração mais profunda dos verdadeiros loucos que seriam os capatazes do hospital, retratados bastante unidimensionais, exceto por uma das enfermeiras que ajuda Wanda a reencontrar seu filho e Elisa a escapar.

Quando os direitos humanos são tão violados a ponto de serem comparados a uma das maiores tragédias da humanidade como o holocausto, a pergunta que sempre fica é o que passa na cabeça dos reponsáveis por tamanha tragédia, e mais ainda dos familiares e amantes que são cúmplices nesse esquema de condenação perpétua, pois assim como o título indica, quase ninguém saía vivo da Colônia.

Nessa perspectiva, o filme é uma introdução rápida e didática a um episódio significativo da história brasileira, que não pode ser esquecido, mas também se não fosse pelo peso da realidade seria apenas um filme de terror medíocre, e tem versões mais interessantes e menos superficiais, tanto na própria série Colônia quanto no documentário de 2016 baseado no livro homônimo, Holocausto Brasileiro, também disponível na Netflix.

Ninguém Sai Vivo Daqui será lançado no Brasil nesta quinta-feira (11) nos cinemas.

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