Quando The Last of Us estreou sua 2ª temporada, trouxe consigo uma carga emocional ainda maior do que a primeira. Afinal, adaptar Parte II do jogo — uma narrativa complexa e divisiva — nunca seria tarefa fácil. Os primeiros episódios oscilaram entre momentos brilhantes e escolhas questionáveis, mas o quarto capítulo, exibido neste domingo (4), finalmente encontra o equilíbrio entre ação, drama e poesia.
Este episódio marca o início da jornada de Ellie (Bella Ramsey) e Dina (Isabela Merced) em Seattle, cidade que serve como palco para algumas das sequências mais intensas do jogo. A série, no entanto, opta por reduzir o ritmo dos combates para explorar as personagens — uma decisão que pode frustrar fãs do jogo, mas que enriquece a narrativa, que usando a resistência como elo narrativo entre a religião, milícias e a música.
A Cena do Violão
Por falar em música, um dos momentos mais emblemáticos do episódio — e talvez da temporada — é a cena em que Ellie toca “Take On Me”, do A-ha, em uma loja de discos abandonada. A sequência, fiel ao jogo, é uma pausa contemplativa em meio ao horror. A direção de Kate Herron (conhecida por “Loki”) utiliza uma iluminação suave, quase nostálgica, contrastando com a escuridão do mundo exterior. A câmera foca nos detalhes: os dedos de Ellie deslizando pelas cordas, as lágrimas de Dina rolando lentamente.
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— The Last of Us (@TheLastofUsHBO) May 5, 2025
Aqui, a série emprega uma técnica comum no cinema mudo: o poder da música como narrativa. Ellie não precisa dizer nada; a canção — uma melodia dos anos 80, já esquecida naquele universo — fala por ela. É uma alegoria sobre a resistência da arte, mesmo quando tudo mais parece perdido.
A sequência do metrô
Enquanto o jogo original investia em combates frenéticos contra a WLF (Wolves), a série opta por uma abordagem mais densa. A cena do metrô, por exemplo, é construída com um suspense quase hitchcockiano. A câmera acompanha Ellie e Dina em planos fechados. Os infectados surgem como sombras, seus grunhidos ecoando no silêncio — um recurso sonoro popularizado em “Alien: O Oitavo Passageiro” (1979), onde o medo está no que não se vê.

O ápice da tensão ocorre quando Ellie sacrifica seu braço para salvar Dina, sendo mordida por um infectado. A maquiagem de efeitos práticos é impecável: a saliva sanguinolenta, a pele rasgada. Mas o verdadeiro drama está na reação de Dina, que, sem saber da imunidade de Ellie, quase a mata. A revelação que se segue — a gravidez de Dina — é um golpe narrativo magistral. A série, assim como o jogo, entende que o verdadeiro horror não está nos monstros, mas nas escolhas que os personagens são forçados a fazer.
As facções
Seattle é um campo de batalha entre duas facções: os Wolves, ex-rebeldes que se tornaram tão autoritários quanto o FEDRA que combatiam, e os Serafitas (ou “Scars”), uma seita religiosa que rejeita a tecnologia. Enquanto os Wolves são retratados com nuances — especialmente com a introdução de Isaac (Jeffrey Wright), um líder brutal com um passado complexo —, os Serafitas parecem saídos de uma graphic novel pós-apocalíptica.

Aqui, a série abandona seu próprio realismo. Os Serafitas, com seus arcos e roupas medievais, lembram vilões de “The Walking Dead” — uma comparação nada elogiosa. Em um mundo onde a WLF possui armas de fogo, a sobrevivência de um grupo que luta com facas é difícil de engolir. Ainda assim, a guerra entre as facções serve como pano de fundo para uma crítica sobre fanatismo religioso e ciclos de violência.
Romance no fim do mundo
O beijo entre Ellie e Dina é um momento significativo para a representação LGBTQIA+ na série, mas também gera discussões. Bella Ramsey, com seus traços juvenis, parece muito mais nova que Merced, o que pode causar estranhamento. No entanto, a química entre as atrizes salva a cena. A direção opta por closes extremos, focando nos olhares e no toque das mãos — uma técnica usada em filmes como “Brokeback Mountain” para transmitir intimidade sem palavras.
A trilha sonora, quase ausente, deixa espaço para os sons do ambiente: o vento, a respiração ofegante. É uma escolha inteligente, mostrando que, mesmo no apocalipse, o amor encontra brechas para florescer.
Abby
Uma das grandes interrogações da temporada é o paradeiro de Abby (Kaitlyn Dever). Sua ausência desde o segundo episódio sugere que a série está guardando seu retorno para o final — possivelmente para uma 3ª temporada. Se essa for a escolha, a série corre o risco de alienar parte do público, já que Abby é peça central no conflito moral da trama.

No início desta análise, falei sobre como a série lida com expectativas. O quarto episódio, ao reduzir a ação em prol do drama, prova que a série não precisa ser fiel ao jogo em todos os aspectos — apenas à sua essência. A cena do violão, tão simples e tão poderosa, encapsula isso. Ellie toca uma música de um mundo extinto, tentando manter viva uma cultura que já não existe. Da mesma forma, a série tenta preservar o espírito do jogo enquanto se permite inovar.
Se os próximos episódios mantiverem esse equilíbrio entre violência e poesia, The Last of Us não apenas honrará sua fonte original, mas a transcenderá. Afinal, como a própria Ellie canta: “Take on me, take me on”. A série, finalmente, está pronta para levar o público consigo nessa jornada — não como meros espectadores, mas como companheiros de estrada.
The Last of Us retorna no próximo domingo (11), às 22h, no canal HBO e na Max. Seguiremos acompanhando semanalmente cada episódio da nova temporada, então fique ligado!
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