Crítica | Um Tira da Pesada 4: uma das maiores surpresas do ano
(Foto: Divulgação/Netflix)

Crítica | Um Tira da Pesada 4: uma das maiores surpresas do ano

Provando não ser um caça-níquel, Axel Foley de Eddie Murphy está de volta radiante como sempre Um Tira da Pesada 4!

Há não muito tempo, uma continuação nostálgica do tipo Um Tira da Pesada 4 teria sido um sucesso de bilheteria, sobretudo no fim de semana do Dia da Independência lá nos Estados Unidos (EUA). Mas os tempos mudaram, e o tão aguardado quarto filme da série com Eddie Murphy (“Um Príncipe em Nova York 2”) está sendo lançada direto na Netflix, em vez de nos cinemas. Enquanto sequências que vão direto para serviços de streaming geralmente significam a morte do controle de qualidade da franquia – incluindo o próprio Um Príncipe em Nova York 2, estrelado pelo mesmo Murphy – Um Tira da Pesada 4 é uma surpreendente e divertida distração, a melhor da série desde o filme que ajudou a fazer de Murphy uma das maiores estrelas de sua geração.

As sequências nostálgicas são frequentemente máquinas baratas de nostalgia, mas tem havido uma mudança nesse subgênero ultimamente, com projetos amados como “Creed” e “Top Gun: Maverick” são provas disso. Um Tira da Pesada 4 pode não ser tão bom quanto esses filmes, mas está muito mais próximo do que qualquer um poderia ter esperado. Se nada mais, ele lembra aos espectadores o quão encantador Murphy pode ser quando tem o material certo e atores coadjuvantes talentosos para contracenar, como Taylour Paige, Joseph Gordon-Levitt e Kevin Bacon. As referências nostálgicas a personagens da trilogia original parecem quase obrigatórias e, portanto, sem graça. Ainda assim, há o suficiente aqui para alcançar exatamente o que a Netflix deseja em um fim de semana de feriado, quando as pessoas costumavam ir aos cinemas em massa: fazer com que elas fiquem em casa.

O filme começa como esses filmes costumam começar, com Axel Foley (Eddie Murphy) se metendo em encrencas disfarçado em Detroit, desta vez impedindo um assalto em um jogo dos Red Wings, o que leva a uma perseguição destrutiva pela cidade em um limpa-neve – a primeira de uma série de cenas de perseguição bem elaboradas no filme, algo que parece uma arte perdida em uma era de blockbusters com CGI em excesso. Descobre-se que o ex-parceiro de Axel no DPD, Jeffrey Friedman (Paul Reiser), agora é o Chefe de Polícia, mas ele já entregou seus papéis de aposentadoria. Isso desencadeia em uma série de conversas sobre a idade na aplicação da lei e uma profissão que nem sempre trata bem seus veteranos.

O próprio Axel está oficialmente ficando velho demais para isso, mas é atraído de volta a Beverly Hills quando sua filha afastada, Jane (Taylour Paige), é quase assassinada por chegar muito perto de um caso envolvendo policiais corruptos. Claro, isso significa o retorno de rostos familiares como Billy Rosewood (Judge Reinhold) e John Taggart (John Ashton). O primeiro é um detetive particular após um desentendimento com o Chefe de Polícia de Beverly Hills, Taggart, que levou à sua saída da força policial. Novos nesse mundo são o detetive Bobby Abbott (Gordon-Levitt) e o capitão Cade Grant (Kevin Bacon). Abbott é o ex-namorado de Jane e um aliado óbvio; Grant é claramente o vilão da história.

Crítica | Um Tira da Pesada 4: uma das maiores surpresas do ano
(Foto: Reprodução/Netflix)

Desde o início, Um Tira da Pesada 4 é alegre e divertido de uma forma que as sequências nostálgicas geralmente não são, algo que estava ausente nos mais pesados segundo e terceiro filmes da franquia. Murphy está no seu melhor quando pode se movimentar por um filme, leve e sorridente de uma maneira que os fãs que ainda não assistiram – justamente com receio de ver algo sem o brilho de outrora – podem achar reconfortante assim como quem vos escreve. Até a trilha sonora aqui é divertida, com o compositor Lorne Balfe (“Missão: Impossível – Acerto De Contas Parte 1”) incorporando elementos do clássico original de Harold Faltermeyer em algo novo, ao mesmo tempo em que usa diretamente faixas da massiva trilha sonora de 1984.

Esse é um truque barato? Talvez, mas é uma questão de equilíbrio. Quando Serge (Bronson Pinchot) aparece em uma cena fraca, lembra-se de uma versão potencial deste filme que é apenas referências e pedaços familiares. No entanto, o diretor – estreante em longa-metragens – Mark Molloy usa a familiaridade como tempero, em vez de ser o prato principal. Pode parecer um elogio fraco, mas há tantas versões dessa continuação – provavelmente incluindo aquela quase dirigida por Brett Ratner – que apelam para piadas baratas sobre cultura do cancelamento, diferenças geracionais e outros temas que normalmente arrastam filmes recentes com estrelas de comédia mais velhas. Felizmente, há pouco disso aqui, já que o roteiro mantém a trama em movimento de uma maneira que não chama a atenção para o fato de que é uma série que pulou pelo menos uma geração inteira.

Ajuda muito ter atores coadjuvantes dispostos a participar. Murphy muitas vezes ganha vida quando tem parceiros divertidos para contracenar, como ao lado de Wesley Snipes e Da’Vine Joy Randolph em “Meu Nome é Dolemite”, por exemplo. Paige, Gordon-Levitt e Bacon não são tão bons assim, mas todos entenderam a proposta aqui, sem atuar de maneira relaxada como muitos coadjuvantes em filmes originais da Netflix. Bacon se entrega à sua vilania hipócrita, e Gordon-Levitt dá um pouco de base ao filme em alguns momentos quando realmente precisa. Paige é ótima, mas os roteiristas, admitidamente, acabam ficando sem ideias para ela, forçando-a a repetir as mesmas discussões com seu pai distante algumas vezes. Quanto aos heróis que retornam, Reinhold desaparece por boa parte do filme, mas Ashton entrega o que é necessário quando é chamado.

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(Foto: Reprodução/Netflix)

Quanto à produção, o diretor de fotografia Eduard Grau (“Identidade”) trabalha com o veterano de comerciais Molloy para dar ao filme a quantidade certa de brilho californiano, aproximando-se do visual do original com toques suficientes para lembrar as pessoas da estética de Martin Brest no primeiro filme. Dan Lebental sabe como montar essas sequências de ação/comédia nostálgicas, curiosamente algo que não conseguiu de jeito nenhum em “Bad Boys: Até o Fim”leia nossa crítica.

Pode parecer nada para a maioria dos espectadores da Netflix, mas a verdade é que muitos filmes originais de streaming, especialmente aqueles que podem ser chamados de caça-níqueis (olhando para você, “Alerta Vermelho”), parecem feitos de maneira preguiçosa, e isso nunca é o caso aqui.

Vale a pena destacar que os filmes de 4 de Julho costumam significar escapismo para o público estadunidense, uma forma de deixar as preocupações deles de lado por algumas horas e se distrairem da realidade em um cinema com ar-condicionado. Enquanto o mundo se torna um lugar mais divisivo, tumultuado e ansioso a cada dia no verão de 2024, há algo quase reconfortante no retorno de Axel Foley.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.